quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Evo-Devo pt 4: Sobre Genes e Borboletas (The Beauty of Butterflies)

ResearchBlogging.org
Bem, cá estava eu matutando com meus botões qual seria o capítulo final da Quadrilogia Evo-Devo. Me deparei (no Infinitas Formas de Grande Beleza, do Sean Carroll) com um assunto que acho muito bacana: os padrões gráficos das asas das borboletas e a influência gênica sobre eles. Mas, como eu queria realmente fazer um post que fechasse com chave de ouro a "Saga", continuei pensando em outras alternativas, e tal.
Mas eis que, numa bela manhã abafada e insuportavalmente quente, estava eu chegando no laboratório, e dou de cara com essa belezura que vocês podem ver abaixo. Fui eu que tirei as fotos, então, por favor, não notem a falta de profissionalismo fotográfico!


Não faço ideia de qual o nome dela (alguém sabe?), mas é realmente impressionante, não é? Igual uma folha! E o corpitcho branquinho, então? Bom, coincidências a parte, esse "encontro" me fez deixar de lado as dúvidas e falar de uma vez sobre as maravilhas das cores e formas das asas das borboletas aqui no Tage des Glücks, e espero que vocês gostem do que vão ler :)

Andy Warhol já mostrava as infinidades de possibilidades de pinturas sobre a tela das asas das borboletas em seu " Happy Butterfly Day" em 1955 (vejam a reprodução abaixo), e não seria de estranhar que cientistas fossem se interessar pelo "processo de fabricação" dessa variedade toda.

A beleza e diversidade do que se vê na ordem Lepidoptera (que inclui as mariposas e borboletas) se devem principalmente a três invenções posteriores à separação dessa linhagem dos outros insetos: escamas, coloração e sistemas de organização geométrica nas asas. Pra não exaurir a paciência dos queridos leitores, vou falar dessa última parte.
Os padrões geométricos nas asas se devem à invenção e elaboração de vias embrionárias que os organizam, sendo que os ocelos são os elementos mais conhecidos. Esses círculos são compostos por anéis concêntricos de escamas de diferentes cores. Os ocelos aparentemente são importantes na evasão de predadores (aspecto chamativo ou semelhança com olhos provocando desvio da atenção e possível ataque para a margem externa da asa). Inclusive, o pesquisador Fred Nijhout demonstrou que a posição dos futuros ocelos é determinada ainda na lagarta, e que os anéis concêntricos são induzidos por um organizador, chamado foco, que se localiza no centro do ocelo em desenvolvimento.
Mas, e os genes responsáveis pela formação dos ocelos, por exemplo? Seria interessante verificar qual o arcabouço genético por detrás dessas estruturas... Foi isso o que o glorioso Sean Carrol fez. No laboratório dele, onde se trabalha muito com Drosophila, alguns pesquisadores isolaram diversos genes do kit de ferramentas da borboleta Junonia coenia (essa bonita logo abaixo), cujos homólogos estavam envolvidos da construção e organização das asas de drosófilas.


Até aí não tinha grandes segredos. Afinal, são insetos, certo? O objetivo real era observar a geografia da expressão desses genes nas asas dessa borboleta (isso, na verdade, foi feito ainda no estágio de lagarta, visto que nela que se inicia o processo dos desenhos observados nas asas dos adultos, nos chamados "discos imaginais"). Assim, poderia ser observado como os desenhos dos ocelos eram esboçados.
Bem, a parte óbvia da questão foi comprovada (expressão correspondente dos genes entre a borboleta e a drosófila para formação das asas, mostrando uma embriogênese da asa comum). O emocionante e surpreendente foi ver a expressão desses genes como padrões de manchas nos discos embrionários das asas de uma lagarta. Sean e seu técnico de laboratório, Julie Gates, viram dois pares de círculos em cada disco, precisamente onde surgiriam os ocelos uma semana depois, nas posições em que aquele outro cientista, Fred Nijhout, já havia dito que se encontrava o "foco" ao redor de onde se expandem os discos dos ocelos. Eles verificaram que os círculos eram formados apenas pelo Distal-less (o mesmo gene envolvido na construção dos membros de drosófilas e artrópodes), mostrando, assim, uma nova atibuição a esse gene. Lá estava o Distal-less se expressando nas pontas de onde seriam as asas, mas lá também estava ele se expressando nos futuros ocelos!
Não satisfeitos, a equipe de Carroll continuou funçando os ocelos das borboletas, procurando encontrar outros genes envolvidos na construção dos anéis concêntricos. Foi quando o aluno de pós-doutorado Craig Brunetti encontrou expressão das proteínas Spalt e Engrailed em um ocelo e um anel, respectivamente, na borboleta Bicyclus anynana (ó ela aí embaixo!). Nessa espécie, os ocelos apresentam um centro branco, cercado por um anel preto mais largo, o qual é então circundado por um anel dourado. O padrão da Spalt demarcava bem certinho o futuro anel preto, enquanto que a Engrailed fazia as vezes com o anel dourado.


Aí estavam mais genes fazendo os ocelos. Porém, assim como o Distal-less, esses outros dois genes não eram exatamente conhecidos por sua capacidade de fazer anéis concêntricos, ora bolas. Tome o caso do Engrailed. Ele codifica um fator de transcrição contendo homeodomínio, e foi descoberto em mutantes de Drosophila (agora você já deve estar familiarizado com esses termos, certo?), nos quais a falta deste gene resultava na falha de uma borda que normalmente divide os compartimentos anterior e posterior das asas. Homólogos desse gene já foram descritos em muitos outros grupos animais, inclusive nos humanos, onde suas proteínas (codificadas por dois genes Engrailed, En-1 e En-2) possuem numerosos (e sobrepostos) papéis no desenvolvimento neural, apresentando, de forma interessante e curiosa, uma natureza multifuncional: conseguem regular tanto a transcrição quanto a tradução, além de poderem ser secretadas e internalizadas por células. No desenvolvimento neural, um dos primeiros papéis do Engrailed é a determinação da borda entre o cérebro anterior e posterior, um importante centro de organização durante o desenvolvimento cerebral. E isso é só uma das funções, imagine só!

E, repito, lá estava o Engrailed, importante no desenvolvimento neural dos humanos (e outros mamíferos), fazendo ocelos de borboletas!!!
Veja bem, não há nada que se espantar. Neste e em tantos outros casos está em uso um dos "mantras" da natureza: a reutilização de velhas "ferramentas" para novos fins. Trocando em miúdos e usando de um exemplo hipotético, um gene que servia para ajudar na construção de uma asa, por exemplo, pode começar a fazer apêndices bucais também. Isso, principalmente, pela mudaça no (ou no número de) interruptor genético do gene. O interruptor é uma sequência responsável pela "assimilação" de sinais específicos (ele tem um GPS afiado!), que levam à ativação ou desativação do gene. Então, se antes o gene aqui fatídico só tinha interruptor que reconhecia um sinal que lhe "mandasse" expressar nas asas, agora, por exemplo, pode haver mais um interruptor, que reconhece sinais provindos da parte bucal do animal, também induzindo sua expressão.
Aliás, essa expressão gênica similar em estruturas não-homólogas é o tema de um dos artigos que eu usei como referência para este post (aquele de nome tão bonito: Wings, Horns and Eyespots: How do Complex Traits Evolve?), que mostra, junto a diversos esquemas bem bacanas, esse que eu colo logo abaixo.


Simples, mas maravilhoso. Como as borboletas, e como, aliás, tudo na natureza, na minha opinião.

E este é o final da "grande" Saga da Evo-Devo! Espero que tenha agradado, que vocês tenham aprendido coisas legais, assim como eu aprendi, no desenvolver de todos os posts.
Muy grata a todos que tiveram a paciência de ler!!

Vocês viram só que chique o selo lá em cima do post, do Research Blogging?
Pois é, agora o Tage des Glücks tem selo de qualidade!

Queria agradecer em especial ao Alessandro, do blog Café com Ciência, que sempre passa aqui visitar e me deu essa excelente dica, e também os passos para conseguir o selo.

Só mais um aviso, ho ho: nos próximos 15 dias eu vou estar em um Curso de Biologia Celular e Molecular na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Bacana, né.
Vai ser difícil eu postar alguma coisa nesse período, mas certamente responderei os comentários sempre tão agradáveis dos leitores do Tage des Glücks.
Agora sim, terminei.



Vejam abaixo as fontes que usei:
- Tirei a bela reprodução da tela do Warhol daqui, a foto da
Junonia daqui, e a foto da Bicyclus daqui.
- Carrol, S. Infinitas Formas de Grande Beleza. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
-
Monteiro A, & Podlaha O (2009). Wings, horns, and butterfly eyespots: how do complex traits evolve? PLoS biology, 7 (2) PMID: 19243218
- Morgan R (2006). Engrailed: complexity and economy of a multi-functional transcription factor. FEBS letters, 580 (11), 2531-3 PMID: 16674951

7 comentários:

  1. Se imprimir os quatro posts da série e encadernar dá um livro bacana e referenciado...

    Maravilha! E, brigadão pela divulgação do Café com Ciência.

    Um grande abraço

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  2. Parabéns, filha, pelo excelente trabalho ! Amo muito você, beijão, Walter (teu pai).

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  3. Nooooosa! Muito bom!

    Puts véio, acabasse de ganhar mais um leitor assíduo.

    Essa menina é puro talento!

    Abs!

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  4. Alessandro, pai, Luiz e Anderson, muito obrigada pelos comentários!

    Estou de volta à ativa, e espero conseguir providenciar uns posts bem legais, que mantenham aqui no Tage des Glücks leitores ilustres como vocês.

    Um grande abraço!!

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  5. Parabéns colega!!

    Ótimas palavra e pontos de vista!!
    Com estas palavras podemos refletir.

    Muito obrigada!

    Liana

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  6. Borboletas são mesmo incríveis.
    Quanto às que imitam folhas com perfeição, dá uma olhada nessa que encontramos na Flona em São Chico há 2 semanas:
    http://images.orkut.com/orkut/photos/OgAAAHZjaLDmts5k2YCiLZz6GrgKrGKmkqs5_bNKlpAyKZVcDzQ5N30zh0rdXNqDftohxQsFytEO6IxUZMwqMcoPAY4Am1T1UDSXF2STmrMP5oRPKhQ1pO9Vb4AK.jpg
    Achei perfeitamente detalhada, inclusive com a marca da nervura central, pecíolo e até umas manchas brancas lembrando fungos.

    Quanto aos círculos nas asas, certa vez ouvi num documentário da discovery, numa breve citação dos genes do desenvolvimento, que a posição dos círculos nas asas é definido pelo mesmo gene que define a posição das ventosas na lagarta. Mas não cheguei a pesquisar a respeito para comprovar a veracidade ou pelo menos saber por outra fonte.

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