segunda-feira, 23 de abril de 2012

Bem mais que o sonho

Simplesmente acho que não ia aguentar passar por uma experiência como a organização da XIII Reunião Acadêmica de Biologia da Unisinos sem deixar aqui umas frases soltas que fosse. 


No longínquo 2009, quando essa que vos fala foi monitora da 12ª edição do evento, só o fato de dar um mínimo auxílio já foi excelente. Desta vez, entretanto, quis me meter nas trincheiras. Essa vontade foi disparada por diversas válvulas, sendo este blog certamente uma delas. Acreditem, meus queridos, que por mais empoeirado que esta estante de pensamentos possa se mostrar atualmente, ela representa ainda minhas parcas tentativas de levar à quem for ler um pouco de amor pelo conhecimento, um pouco de entusiasmo e um tanto de ciência também. Descobri que, além de amar Ciência, eu amo dispersar essa bonita. Aliás, acho que ela só pode receber essa alcunha mediante a dispersão. Já tanto falamos... de que adiantam artigos publicados, se ninguém souber ao menos se localizar quando tu falar de neutrinos, nichos ecológicos, galáxias e parasitas moleculares?
Como eu disse das válvulas, certamente outra delas foi a oportunidade de fazer isso dentro de um grupo simplesmente brilhante, que não são só colegas, mas amigos do peito... os meus queridos "star broz" Gabriela, Fernando, Felipe e Guilherme. Quando tu vê o mesmo entusiasmo em olhos alheios, a conexão se torna evidente, a vontade aumenta, e os resultados são sempre melhores. Sem eles e toda a super comissão de apoio (para citar a Letícia, a Marina, o Gustavo, e meu querido namorado Matheus, que usou suas super design skills para dar todo o brilho aos nossos cartazes), nada disso teria saído do mundo das sinapses, tudo poderia ter ficado perdido na poeira das ideias.
Queria aqui deixar explícito todo o meu agradecimento pela oportunidade de ter feito parte desse pedacinho da história do nosso curso, por ter podido contribuir com ideias, emails, contatos... por ter recebido tanto apoio, tantos sorrisos... e a melhor coisa de todas: ter visto a alegria nos rostos dos alunos do curso. Afinal, o evento foi feito pra eles!! Para aqueles que estão começando sua caminhada dentro da Biologia, tentamos dar um boost de energia nos esforços e ideias e maluquices.
Obrigada star brozes, obrigada palestrantes, ministrantes, alunos, povo que só queria coffee break (rá), obrigada a todo mundo que deixou sua impressão nesse momentum! A Semana Acadêmica certamente vai ficar marcada pra sempre na minha memória. 
Aí vão algumas fotos satisfatórias da nossa semana... vai deixar saudade!

Queridões Fernando e Felipe, na abertura do evento.


Comissão organizadora com os palestrantes da primeira noite (2012: Astrobiologia, Uma Odisseia no Espaço), Luiz Leitão da Silva e Jorge Quillfeldt, além do professor Hector Noblega, coordenador do curso.


Astrobiologia em "muitas palavras", por Jorge Quillfeldt.


Mateando, ouvindo e pensando :D


No RABU também tem comidinhas e bebidinhas ^^


Mesa redonda sobre Mudanças Climáticas e seus Impactos sobre a Biodiversidade, com os professores Larissa Oliveira, Gerhard Overbeck e Francisco Aquino. (e o star broz Gui dando o ar da graça na escuridão bem à esquerda).


Marina, Fernando, Felipe, eu e a Gabriela. Faltou o Gui, mas ele teve lugar de destaque na foto anterior :)


"Comissão de apoio" (Marina, Gustavo e Letícia), brilham muito na quitanda de camisetas (e em todo o resto, rá).


Matheus total forever alone no final da palestra. Esse é de fé! <3


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Parasitas e viajantes, de embriões ao universo

ResearchBlogging.org
São incontáveis os momentos em que imagens dizem bem mais que falatórios, quando poesia se forma nos olhos, vai pra mente, e lá flutua. Do embrião ao universo, das viagens neles e também nos neurônios, as infinitas formas de grande beleza parecem não cansar de causar surpresa. Mas eu não me importo com esse tipo de cansaço :)

Bem mais que história, os buracos negros parecem parasitas das galáxias..

Enquanto isso, Wolbachia, uma parasita bem menor, mas não menos poderosa, faz a festa pintando um mosaico na galáxia de um embrião de Drosophila. Esse mosaico vai poder viajar para muitas gerações depois que esse embrião virar adulto, ou ainda ser transferido no melhor estilo mochileiro para viajantes de táxons distantes

Se parasitas podem viajar, também o podem fazer os pensamentos, histórias e memórias, mas dessa vez num mosaico diferente, como esse emaranhado de neurônios de rato.

Já outro parasita, Litomosoides sigmodontis (filária, causadora da filariose), consegue descrever um caminho bonito e satisfatório pelas ruelas do sistema linfático de um não tão feliz camundongo.

Sobre a beleza das coisas, e a facilidade de se surpreender diariamente.


Guia de viagem:

Zabalou, S., Apostolaki, A., Pattas, S., Veneti, Z., Paraskevopoulos, C., Livadaras, I., Markakis, G., Brissac, T., Mercot, H., & Bourtzis, K. (2008). Multiple Rescue Factors Within a Wolbachia Strain Genetics, 178 (4), 2145-2160 DOI: 10.1534/genetics.107.086488
Foto dos neurônios por Gabriel Luna , do Neuroscience Research Institute da UC Santa Barbara, California.
Foto da filária no sistema linfático por Witold Kilarski, lá da minha querida École Polytechnique Fédérale de Lausanne.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O RNA se acha o tal, mas não é à toa!

ResearchBlogging.org
Da forma meio aleatória que as coisas acontecem na vida, posso dizer que meu ingresso no mundo da ciência se deu de uma forma bem orgânica. O que primeiro era apenas curiosidade pela vida e as formas e a beleza das coisas, evoluiu para um lugar à bancada de um laboratório, e as roupinhas de menina sujas de lama e folhas foram substituídas por um jaleco que eu tento manter limpo.
O que essa introdução bem tola pode ter a ver com RNA? Bom, se de forma natural o "Universo conspirou" para eu usar um jaleco, de forma talvez um pouco contrária o tal do ácido ribonucleico parece ficar lutando sempre por um espaço no meu pensamento (não que qualquer molécula linda dessas precise de mim ou de qualquer um de nós para mostrar toda sua beleza). Não que eu fuja de RNAs, pelo contrário. O que quero dizer é que eles constantemente tem chamado minha atenção, e em alguns momentos dos últimos anos eu pude dedicar algumas boas horas de fosfato para entender eles melhor.
De qualquer forma, ano passado mesmo eu li o artigo "RNA in pieces" (RNA em pedaços), que Tuck e Tollervey publicaram na Trends in Genetics (referência abaixo). Se minhas parcas esperanças de um dia rever a possibilidade de um conceito robusto de "espécie" já há muito haviam ido com o vento, a leitura desse artigo só fez cair por terra mais um conceito que nossos mestres tentam nos enfiar guela abaixo: o de "gene". Ele continua sendo aquele pedaço de DNA contendo informação criptografada na forma de nucleotídeos, mas o turbilhão de coisas diferentes que podem advir daquela sequência é uma coisa no mínimo satisfatória. Por que? Bom, é aí que entra o RNA, que pode ser taxado de presunçoso ou qualquer coisa do tipo, mas ele realmente arrasa. Entre o momento da transcrição do gene em um RNA até a proteína formada, muitos são os percalços que podem fazer esse RNA ser modificado, recortado, remontado, reposicionado e vários "re-" à sua escolha. Não estranha-se que a proteína final pode ser bastante diferente do que seria imaginado pelo tal GENE inicial, então né... mudanças de conceitos, amigos!
Isso tudo pra falar de um estudo que foi publicado na Science agora em janeiro de 2012 pelos pesquisadores Sandra Garrett e Joshua Rosenthal. O foco dessa vez? RNA também, porém do polvo antártico (esse bonito aí).


Os autores viram que os polvos vivendo em regiões próximas ao continente antártico não tinham aparentes problemas em sobreviver por lá, apesar de ser sabido que proteínas do sistema nervoso são bem sensíveis ao frio. Verificando possíveis alterações que possibilitassem essa adaptação, os autores deram uma checada em uma dessas proteínas, do canal de potássio, e a primeira ideia foi, como de praxe, que o gene contendo a informação para esta proteína fosse diferente do encontrado nos polvos de regiões tropicais, por exemplo. Eles esperavam encontrar algum código que, no final, gerasse uma proteína mais eficiente no "freezer".
Entretanto, ao comparar as sequências do gene encontrado no polvo antártico e em outro polvo encontrado em um recife de Porto Rico, eles viram que era a mesma! Os pesquisadores então migraram para o mundo do RNA, e perceberam que, no polvo antártico, o RNA mensageiro proveniente daquele gene era editado em 9 pontos diferentes, de forma que a sequência de aminoácidos resultante era alterada, e o canal de potássio se fecha mais rapidamente, independentemente das temperaturas frias.
Mais esse estudo mostra o poder de adaptação que a edição de RNAs pode conferir a um organismo.O querido deve até estar pensando algo tipo "touchè"! E não duvido nada que o DNA esteja ficando levemente emburrado...

Não que esse post tenha qualquer coisa a ver com ursos polares, muito menos que eles possam ser vistos na Antártida. Mas acho que de frio eles entendem também, né?




Referências:
Tuck, A., & Tollervey, D. (2011). RNA in pieces Trends in Genetics, 27 (10), 422-432 DOI: 10.1016/j.tig.2011.06.001
Garrett, S., & Rosenthal, J. (2012). RNA Editing Underlies Temperature Adaptation in K+ Channels from Polar Octopuses Science DOI: 10.1126/science.1212795

domingo, 11 de dezembro de 2011

Abraço malevo

ResearchBlogging.org
Uma proteína celular super linda, a septina, mostrou ter mais papeis que a até então conhecida capacidade de ceder suporte estrutural durante a divisão celular. A maioria dos estudos com essa e outras proteínas do tipo que se ligam a GTP tem sido desenvolvida em células de leveduras. Entretanto, um estudo recente da equipe de Pascale Cossart do Instituto Pasteur em Paris, mostrou que, em células humanas, esta proteína tem a capacidade de dar um abraço malevo em patógenos bacterianos, imobilizando-os e assim impedindo que venham a invadir células vizinhas.

O triste fim da Shigella (azul) sob o abraço malevo da septina (vermelho)

Esse padrão satisfatório foi observado sobre células da pobre Shigella, uma bactéria mais conhecida por causar surtos de diarreia, por vezes letais. Após o "enjaulamento" pela septina, a não tão sortuda Shigella (e os outros patógenos que cruzarem o caminho da tenebrosa proteina), recebem o destino infalível da autofagia, virando apenas história. 
Não é de surpreender que esse comportamento agora já esteja embasando novas ideias de controles terapêuticos de patógenos, talvez suplementando o sistema imune com drogas que mimetizem o sinalizador que permite a proliferação das jaulas de septina, assim implementando a defesa do organismo.


Mostowy S, & Cossart P (2011). Autophagy and the cytoskeleton: new links revealed by intracellular pathogens. Autophagy, 7 (7), 780-2 PMID: 21464614

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Wolbachia in concert: ela realmente tem as rédeas da relação

ResearchBlogging.org
Às vezes chego a me sentir repetitiva por fazer analogias dos casos que aqui conto com alguns temas cotidianos dos relacionamentos humanos. Mas a bem da verdade é que não tem como evitar! A situação chega a um ponto que começo a me perguntar se nós que nos espelhamos deveras em alguns exemplos da natureza, ou se ela que gosta de tirar uma onda com nossa cara imitando nossas atitudes mais bizarras.
Isso no meu mundo imaginário, claro.
Mas chega de encher linguiça, porque nesse caso o título realmente vem a calhar. Não estou falando de uma mulher naquele estilo "a última palavra aqui em casa é do 'homi': sim senhora!!", mas sim de uma alfa-proteobactéria que, dos confins longínquos de algumas células do corpo de uma mosquinha Drosophila (e tantos outros artrópodes... essa garota é promíscua que nossa), consegue controlar praticamente todo o comportamento "amoroso" e sexual da pobrezinha. Essa entrada talvez vos lembre do belo texto escrito pelo meu caro Felipe Benites no Amigo de Wigner há algum tempinho. Sim meus caros, a mochileira dos genomas Wolbachia agora também faz suas manobras pelos meus circuitos neurais quase em período integral. Recomendo, inclusive, a leitura desse texto antes de continuar com meu conto aqui, porque não quero continuar com minha fama de falar demais né amigos.
Que a Wolbachia tem bala na agulha eu não duvidei jamais, mas o Wolfgang Miller, da Universidade de Viena, e colaboradores mostraram na PLOS Pathogens em 2010 que a capacidade de manipulação dessa bactéria é deveras extensiva, com papel determinante em isolamento pré e pós-zigótico durante o processo de isolamento sexual e futura especiação de um complexo de semiespécies de Drosophila paulistorum. Esse grupo de moscas é de distribuição neotropical, e se encontra naquela linha divisória de águas, em que o isolamento sexual está levando à especiação.  Aparentemente, e para mim não mais surpreendentemente, quem está com as rédeas é a Wolbachia, já que cada semiespécie possui uma linhagem diferente da bactéria. A "coisa" anda funcionando mais ou menos assim:

Especiação incipiente em semiespécies de Drosophila paulistorum.

Os autores verificaram o padrão de distribuição da Wolbachia em embriões e tecidos de duas semiespécies da mosquinha (Amazônica e Orinocana), assim como dos híbridos do cruzamento entre elas (mamães amazônicas e papais orinocanos). As sempre bonitas figuras de fluorescência mostram que a quantidade do simbionte intracelular varia enormemente entre elas. A Orinocana, como pode-se ver abaixo, apresenta níveis bem altos de Wolbachia nos estágios blastodermais (A, em esverdeado), depois concentrando-se especificamente nas células primordiais (B, em amarelo).

Já a semiespécie Amazônica apresenta níveis fracos da bactéria, porém universais e bem distribuídos durante a embriogênese (D e E, verde-amarelado).

Já nos híbridos do cruzamento, apesar de terem herdado Wolbachia da mamãe Amazônica (herança materna do endossimbionte), os títulos da bactéria foram significativamente aumentados nos estágios blastodermais (G e H, verde-amarelado). Estas constatações se enquadram no conceito de que, sob cruzamentos híbridos, mesmo Wolbachia tendo vindo de uma mãe com baixas densidades, os híbridos sofreriam a replicação sem controle da bactéria, assim ela deixando de ser um simbionte para adquirir comportamento parasítico.

Após confirmar a presença diferencial de Wolbachia nas semiespécies, os autores conduziram uma série de experimentos, inclusive avaliando efeitos diversos de comportamento sexual das moscas após tratamento com antibióticos que dão fim às Wolbachias (Rifampicina e Tetraciclina).
Eles comprovaram que, por exemplo, esses tratamentos revertem a razão entre machos e fêmeas (a favor dos machos), já que as fêmeas são mais sensíveis aos antibióticos (acabam morrendo na fase larval), e também alteram o comportamento de preferência de acasalamento (fêmeas não tratadas seguem preferência de acasalar com machos que possuem a mesma estirpe de Wolbachia; após tratamento, os acasalamentos passam a ser aleatórios).
Assim, neste estudo foi comprovado que todas as semiespécies de D. paulistorum evoluíram fortes mecanismos de isolamento pré-zigótico e intrigantes padrões femininos de evitar machos, assim prevenindo cruzamentos inter-semiespecíficos, sem contar os mecanismos pós-zigóticos. Por Wolbachia ter evoluído fortes inter-relações compensatórias com seus hospedeiros naturais, são capazes de desencadear esses padrões de reconhecimento de acasalamento pela parte das fêmeas, favorecendo o aceitamento preferencial de machos que estão infectados com o mesmo tipo de Wolbachia, e rejeitando cruzamentos impróprios com machos que tenham uma versão diferente de seu simbionte obrigatório. Já no confuso background genético  dos híbridos, a anteriormente benigna Wolbachia lança suas garras e se mostra como parasita reprodutivo, capaz de induzir forte incompatibilidade citoplasmática embrionária bidirecional, e completa esterilidade dos machos híbridos, via perda do controle de sua replicação dentro das células hospedeiras. Já as fêmeas híbridas, apesar de férteis, apresentam o comportamento intrigante de praticamente não aceitar qualquer parceiro. Assim, os autores assumem que algum tipo de reconhecimento de parceiro direcionado pelo simbionte tenha evoluído a fim de prevenir esta forte incompatibilidade citoplasmática bidirecional e reduzido sucesso sexual dos potenciais híbridos, assim assegurando sua continuada transmissão vertical. Alternativamente, os hospedeiros devem ter evoluído padrões de "evitamento" que reconheçam potenciais parceiros carregando uma variante diferente e incompatível de Wolbachia. Quanto a isso, alguns autores (Kokou et al, 2006) afirmam que Wolbachia deve ter evoluído a capacidade de modular os padrões de expressão e/ou percepção de ferormônios de Drosophila. Outros autores (Alberston et al, 2009), nesta mesma linha de pensamento, verificaram uma concentração acentuada de Wolbachia em regiões cerebrais das moscas, especulando assim que o endossimbionte pode estar afetando diretamente os padrões de comportamento dos hospedeiros.

Não sei vocês, mas cada dia meus butiás não acham mais fundo nos meus bolsos.


Albertson R, Casper-Lindley C, Cao J, Tram U, & Sullivan W (2009). Symmetric and asymmetric mitotic segregation patterns influence Wolbachia distribution in host somatic tissue. Journal of Cell Science, 122 (Pt 24), 4570-83 PMID: 19934219

Koukou K, Pavlikaki H, Kilias G, Werren JH, Bourtzis K, & Alahiotis SN (2006). Influence of antibiotic treatment and Wolbachia curing on sexual isolation among Drosophila melanogaster cage populations. Evolution; international journal of organic evolution, 60 (1), 87-96 PMID: 16568634

Miller WJ, Ehrman L, & Schneider D (2010). Infectious speciation revisited: impact of symbiont-depletion on female fitness and mating behavior of Drosophila paulistorum. PLoS pathogens, 6 (12) PMID: 21151959

sábado, 23 de julho de 2011

O dia que vi Burguess Shale

Domingo de chuva forte em Viena, e de um frio descomunal para o que temos como padrão de "verão". Como nos domingos praticamente toda a cidade dorme, uma das poucas opções de programação são os museus. Não que isso seja algo ruim, obviamente! Viena é encrustada de museus dos mais variados assuntos, tem até o chamado "Museums Quartier", que reúne diversos museus menores em um prédio enorme e circular.
Sem mais delongas, nem preciso dizer que o museu que eu estava mais animada para visitar era o Museu de História Natural, que ouvi falar ser um dos mais antigos e belos do mundo. Esse Museu fica em um dos prédios gêmeos de uma enorme praça no centro de Viena. O outro prédio (que é exatamente igual!!!) é o Museu de Artes, e que certamente receberá minha pessoa em um outro dia.


Como vocês podem imaginar, o museu em sí já é uma coisa absurdamente linda. O teto, e as paredes são decorados lindamente, a atmosfera é agradável e convidativa, e, pelo menos quando eu fui, não tinha aqueles grupos gigantescos de pessoas barulhentas atrapalhando.
Bom, o passeio padrão no Museu se dá acompanhando a História da Vida mesmo. Tem seções só com rochas (ai, não gosto de Geologia, mas pra quem gosta, seria lindo!!), outra com meteoritos, por exemplo...
Mas quando cheguei na Seção de Fósseis foi que meu fôlego saiu correndo pela janela e demorou deveras pra voltar. Passando pelas mesas expositórias, eis que vejo as palavras EDIACARA e BURGUESS SHALE. Pensei: "não acreditoooooo!!!". Lembram do meu primeiro post aqui, sobre a Explosão Cambriana? Bom, os fósseis de Ediacara (Austrália) são provenientes de antes do Cambriano, e apresentavam uma morfologia simples. Eu tirei essa foto abaixo que mostra fósseis de Ediacara (a foto ficou péssima, porque foi tirada com celular, mas usem a imaginação hehe).



Como se não bastasse isso, tinha representantes de Burguess Shale (Colúmbia Britânica, Canadá) também! Como eu expliquei naquele post mais antigo, essa fauna é de pleno Cambriano, e a diversidade de morfologias chega a ser assustadora. Tirei foto de um deles, esse simpático Anomalocaris. Esse nome significa "camarão estranho", e não é para menos!!! Dêem uma procurada no Google Imagens (por algum motivo não estou conseguindo copiar uma imagem de lá, péssimo) e curtam as representações do que seria esse queridão em 3D (tá, sem definições disso agora, por favor, estou só me referindo à forma dele com todas as ondulações e curvaturas possíveis).


E lá estava a Natália, parecendo uma criança em loja de doces, tentando abraçar o as vitrines, com o nariz enfiado no vidro pra ver melhor os fósseis. Enquanto isso, meus dois amigos que foram junto comigo (Anna e Kaya), que estudam Biologia Molecular na faculdade (eles não vêem nada de evolução, fósseis e essas coisas bonitas) ficavam olhando para mim com um semblante preocupado, e aproveitavam para tirar fotos das paredes esperando que eu fosse me recuperar do choque.
Bom, digo para vocês que o Museu poderia ter sido todo péssimo, mas ter a oportunidade de ver esses fósseis AO VIVO já teria valido à pena. Claro que não foi esse o caso, o Museu é um arraso, tem coleções lindíssimas (mais de 20 milhões de espécimes, sendo cerca de 10% disponível para visitação).
Fizemos um tour guiado pelo museu, e daí ficamos sabendo, por exemplo, que o prédio foi desenhado especialmente para ser um museu (o que é difícil de acreditar, parece impossível que ele não tenha sido um castelo once upon a time), e que as coleções estão distribuídas em diversos locais da Áustria, onde equipes enormes de pesquisadores estudam o vasto repertório de biodiversidade que eles tem à disposição.
Anyway, qualquer pessoa que um dia visitar Viena, eu digo com firmeza: visite esse museu, vale muito a pena!!!! Abaixo eu coloco mais algumas fotos do interior do museu, inclusive de uma das exposições especiais que estava em tela, sobre Parasitas, que eu curti deveras!!!








domingo, 24 de outubro de 2010

O sexo nasceu da dificuldade

ResearchBlogging.org
Todas as teorias para a evolução do sexo invocam algum mecanismo que mantenha a variação genética , já que o "embaralhamento" que ele causa, sem variação, não reverteria em mudança alguma. E já que estamos falando de algo que gasta tanta energia, teria que valer a pena.
Muitas das teorias modernas nesse campo têm se focado em mutações deletérias ou coevolução parasita-hospedeiro como fontes chaves de variação genética. Entretanto, uma explanação mais clássica para a manutenção desta variação é a heterogeneidade espacial na seleção. Diversos estudos teóricos recentes mostram que o sexo evolui mais facilmente quando há uma heterogeneidade espacial na seleção. Se a seleção é a força evolucionária dominante modulando as associações entre genes, então o sexo seria normalmente desvantajoso, já que a seleção levaria a uma combinação de alelos "bons" em excesso, e o sexo põe tudo isso abaixo através da recombinação e segregação.
Porém, em ambientes heterogêneos espacialmente, não apenas a seleção, mas também a migração é importante na determinação de combinações genéticas. A migração constantemente "joga população adentro" algumas características não tão adaptativas, e, nesse caso, o sexo acaba sendo uma ferramente útil, por potencialmente ajudar a quebrar essas associações genéticas ruins.
Becks & Agrawal, da Universidade de Toronto, Canadá,  resolveram verificar essa teoria do papel da heterogeneidade espacial + migração através de um modelo prático. Para isso, eles usaram a espécie de rotífero monogononte Brachionus calyciflorus (esse ser no mínimo estranho da figura abaixo).

Exemplares de Brachionus calyciflorus: fêmeas "sexuadas" carregando "resting eggs" (os escuros); e fêmeas "assexuadas" carregando "amictic eggs" (os mais claros)

Esses animais são considerados partenogênicos diplóides cíclicos. Isso significa que, normalmente, eles se reproduzem assexuadamente (por partenogênese), mas a reprodução sexualda pode ser induzida quando em altas densidades populacionais, através de quorum sensing (esse assunto mereceria outro post, aliás), como mostra o diagrama abaixo:



Para testar a hipótese, eles estabeleceram populações deste rotífero, e a diferenciação entre os ambientes considerados foi dada por um aporte de alimento de diferente qualidade. Os autores definiram que cada tratamento teria duas sub-populações, entre as quais seria permitida migração. Para os tratamentos considerados "homogêneos", as duas subpopulações recebiam o mesmo aporte de alimento (de alta ou baixa qualidade). Já para o tratamento heterogêneo, uma subpopulação recebia alimento de alta qualidade, e outra de baixa. A migração, considerada chave na hipótese, foi permitida através de transferência manual semanal mesmo.
Com o material em mãos, os pesquisadores utilizaram duas comissões de frente para detectar as taxas de reprodução sexuada nos experimentos.
A primeira foi baseada na mensuração da fração de clones individuais e isolados que tivessem alternado para reprodução sexuada quando expostos a um estímulo de "indução de sexo" sob condições controladas. E, como esperado pela teoria, foi observada maior "propensão ao sexo" quando houve migração no ambiente heterogêneo do que no homogêneo (verifique o gráfico abaixo), sendo que eles observaram uma taxa de decréscimo de reprodução sexuada muito rápida e acentuada nos ambientes homogêneos. 
 
Já a outra forma de medida que eles usaram, para então confirmar as diferenças observadas nos experimentos controlados que expliquei acima, foi verificar esta situação in situ, através de estimativas da percentagem da prole derivada de reprodução sexuada ("resting eggs") em comparação à prole total ("resting" e "amictic eggs"). Na parte final do experimento (do dia 74 ao 109), as populações alcançaram densidades estáveis, sem diferença significativa entre os tratamentos. Isto permite uma comparação razoável das taxas de sexo entre os tratamentos neste período. A percentagem de prole proveniente de reprodução sexuada foi significativamente maior no ambiente heterogêneo (cerca de 15%) que nos homogêneos (cerca de 7%) (cheque abaixo, no gráfico).
 

Porém, poderiam se ter diversas intepretações pra esse resultado. Uma seria a de que os benefícios putativos do sexo sob a heterogeneidade ambiental poderiam ser suficientemente grandes para balancear seus custos, resultando assim em uma taxa mais equilibrada de sexo alí do que nos ambientes homogêneos. Sob outra ótica, os benefícios do sexo poderiam existir sob condições heterogêneas, mas esses poderiam não ser suficientes para compensar totalmente seus custos. Consequentemente, a taxa de reprodução sexuada declinaria também no ambiente heterogêneo, mas a uma taxa mais baixa. Por fim, a seleção no sexo pode não diferir entre tratamentos (ou seja, não há benefícios devido à heterogeneidade). Pelo contrário, a seleção no sexo seria simplesmente menos eficiente no ambiente heterogêneo porque alí há mais variância no fitness, impedindo a eliminação de alelos, e causando assim maiores taxas de reprodução sexuada.
Para descobrir qual das alternativas seria a mais correta, os autores recomeçaram o experimento na semana 14, misturando os indivíduos de todos os tratamentos, para assim criar populações com taxa intermediária de sexo. Uma bagunça só (naquele gráfico 2 lá em cima, a linha vertical mostra este restart... BAD WORD, BAD WORD).
E lá fizeram tudo de novo, as mesmas condições e mensurações.
Mas acharam a mesma coisa!! Após cerca de 40 a 45 gerações, a propensão ao sexo continuou diminuindo nos ambientes homogêneos. Este resultado indica que as vantagens do sexo compensam seus custos sob condições de heterogeneidade espacial.
Claro que nem tudo são flores, e as explicações que podem surgir dessas hipóteses não são tão simplistas (inclusive, vale a lida do artigo pra ver as diferentes alternativas que eles sugeriram como intepretações dos resultados). Mas a prova prática do tanto teorizado já é um passo e tanto.
O bacana é que muito trabalho interessante pode vir desses achados. Pesquisas futuras podem vir a identificar não apenas as condições que favorecem a evolução do sexo, mas também examinar os mecanismos genéticos da população pelos quais estes benefícios aparecem. 
Parafraseando (achei lindo): "By doing so, we can begin bridging the sizeable gap between theory and the empirical patterns observed in nature".


Referências:
Becks, L., & Agrawal, A. (2010). Higher rates of sex evolve in spatially heterogeneous environments Nature DOI: 10.1038/nature09449
Snell, T., Kubanek, J., Carter, W., Payne, A., Kim, J., Hicks, M., & Stelzer, C. (2006). A protein signal triggers sexual reproduction in Brachionus plicatilis (Rotifera) Marine Biology, 149 (4), 763-773 DOI: 10.1007/s00227-006-0251-2
Belas imagens daqui e daqui