domingo, 24 de outubro de 2010

O sexo nasceu da dificuldade

ResearchBlogging.org
Todas as teorias para a evolução do sexo invocam algum mecanismo que mantenha a variação genética , já que o "embaralhamento" que ele causa, sem variação, não reverteria em mudança alguma. E já que estamos falando de algo que gasta tanta energia, teria que valer a pena.
Muitas das teorias modernas nesse campo têm se focado em mutações deletérias ou coevolução parasita-hospedeiro como fontes chaves de variação genética. Entretanto, uma explanação mais clássica para a manutenção desta variação é a heterogeneidade espacial na seleção. Diversos estudos teóricos recentes mostram que o sexo evolui mais facilmente quando há uma heterogeneidade espacial na seleção. Se a seleção é a força evolucionária dominante modulando as associações entre genes, então o sexo seria normalmente desvantajoso, já que a seleção levaria a uma combinação de alelos "bons" em excesso, e o sexo põe tudo isso abaixo através da recombinação e segregação.
Porém, em ambientes heterogêneos espacialmente, não apenas a seleção, mas também a migração é importante na determinação de combinações genéticas. A migração constantemente "joga população adentro" algumas características não tão adaptativas, e, nesse caso, o sexo acaba sendo uma ferramente útil, por potencialmente ajudar a quebrar essas associações genéticas ruins.
Becks & Agrawal, da Universidade de Toronto, Canadá,  resolveram verificar essa teoria do papel da heterogeneidade espacial + migração através de um modelo prático. Para isso, eles usaram a espécie de rotífero monogononte Brachionus calyciflorus (esse ser no mínimo estranho da figura abaixo).

Exemplares de Brachionus calyciflorus: fêmeas "sexuadas" carregando "resting eggs" (os escuros); e fêmeas "assexuadas" carregando "amictic eggs" (os mais claros)

Esses animais são considerados partenogênicos diplóides cíclicos. Isso significa que, normalmente, eles se reproduzem assexuadamente (por partenogênese), mas a reprodução sexualda pode ser induzida quando em altas densidades populacionais, através de quorum sensing (esse assunto mereceria outro post, aliás), como mostra o diagrama abaixo:



Para testar a hipótese, eles estabeleceram populações deste rotífero, e a diferenciação entre os ambientes considerados foi dada por um aporte de alimento de diferente qualidade. Os autores definiram que cada tratamento teria duas sub-populações, entre as quais seria permitida migração. Para os tratamentos considerados "homogêneos", as duas subpopulações recebiam o mesmo aporte de alimento (de alta ou baixa qualidade). Já para o tratamento heterogêneo, uma subpopulação recebia alimento de alta qualidade, e outra de baixa. A migração, considerada chave na hipótese, foi permitida através de transferência manual semanal mesmo.
Com o material em mãos, os pesquisadores utilizaram duas comissões de frente para detectar as taxas de reprodução sexuada nos experimentos.
A primeira foi baseada na mensuração da fração de clones individuais e isolados que tivessem alternado para reprodução sexuada quando expostos a um estímulo de "indução de sexo" sob condições controladas. E, como esperado pela teoria, foi observada maior "propensão ao sexo" quando houve migração no ambiente heterogêneo do que no homogêneo (verifique o gráfico abaixo), sendo que eles observaram uma taxa de decréscimo de reprodução sexuada muito rápida e acentuada nos ambientes homogêneos. 
 
Já a outra forma de medida que eles usaram, para então confirmar as diferenças observadas nos experimentos controlados que expliquei acima, foi verificar esta situação in situ, através de estimativas da percentagem da prole derivada de reprodução sexuada ("resting eggs") em comparação à prole total ("resting" e "amictic eggs"). Na parte final do experimento (do dia 74 ao 109), as populações alcançaram densidades estáveis, sem diferença significativa entre os tratamentos. Isto permite uma comparação razoável das taxas de sexo entre os tratamentos neste período. A percentagem de prole proveniente de reprodução sexuada foi significativamente maior no ambiente heterogêneo (cerca de 15%) que nos homogêneos (cerca de 7%) (cheque abaixo, no gráfico).
 

Porém, poderiam se ter diversas intepretações pra esse resultado. Uma seria a de que os benefícios putativos do sexo sob a heterogeneidade ambiental poderiam ser suficientemente grandes para balancear seus custos, resultando assim em uma taxa mais equilibrada de sexo alí do que nos ambientes homogêneos. Sob outra ótica, os benefícios do sexo poderiam existir sob condições heterogêneas, mas esses poderiam não ser suficientes para compensar totalmente seus custos. Consequentemente, a taxa de reprodução sexuada declinaria também no ambiente heterogêneo, mas a uma taxa mais baixa. Por fim, a seleção no sexo pode não diferir entre tratamentos (ou seja, não há benefícios devido à heterogeneidade). Pelo contrário, a seleção no sexo seria simplesmente menos eficiente no ambiente heterogêneo porque alí há mais variância no fitness, impedindo a eliminação de alelos, e causando assim maiores taxas de reprodução sexuada.
Para descobrir qual das alternativas seria a mais correta, os autores recomeçaram o experimento na semana 14, misturando os indivíduos de todos os tratamentos, para assim criar populações com taxa intermediária de sexo. Uma bagunça só (naquele gráfico 2 lá em cima, a linha vertical mostra este restart... BAD WORD, BAD WORD).
E lá fizeram tudo de novo, as mesmas condições e mensurações.
Mas acharam a mesma coisa!! Após cerca de 40 a 45 gerações, a propensão ao sexo continuou diminuindo nos ambientes homogêneos. Este resultado indica que as vantagens do sexo compensam seus custos sob condições de heterogeneidade espacial.
Claro que nem tudo são flores, e as explicações que podem surgir dessas hipóteses não são tão simplistas (inclusive, vale a lida do artigo pra ver as diferentes alternativas que eles sugeriram como intepretações dos resultados). Mas a prova prática do tanto teorizado já é um passo e tanto.
O bacana é que muito trabalho interessante pode vir desses achados. Pesquisas futuras podem vir a identificar não apenas as condições que favorecem a evolução do sexo, mas também examinar os mecanismos genéticos da população pelos quais estes benefícios aparecem. 
Parafraseando (achei lindo): "By doing so, we can begin bridging the sizeable gap between theory and the empirical patterns observed in nature".


Referências:
Becks, L., & Agrawal, A. (2010). Higher rates of sex evolve in spatially heterogeneous environments Nature DOI: 10.1038/nature09449
Snell, T., Kubanek, J., Carter, W., Payne, A., Kim, J., Hicks, M., & Stelzer, C. (2006). A protein signal triggers sexual reproduction in Brachionus plicatilis (Rotifera) Marine Biology, 149 (4), 763-773 DOI: 10.1007/s00227-006-0251-2
Belas imagens daqui e daqui

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A volta do adormecido

Não, este ainda não é o post "reinaugural" do Tage des Glücks.
Acho que é só uma mistura de ansiedade e desespero de ver e "tocar" essa caixinha de texto com os dedos, saudade de sentir a imaginação fluir, os neurônios trabalharem com mais afinco, de ver comentários encherem o dia de entusiasmo.
Sim, eu sinto falta de blogar. Muita, aliás!
O último post do Tage des Glücks foi há aproximadamente um milhão de anos, e a vergonha que se estampa na cara da que vos fala é descarada (leia-se: rubor facial acentuado). Esse post foi antes da minha viagem pra Suiça (durante esta, eu alimentei com certa decadência o Open Dörr to the World, onde eu contei algumas das minhas aventuras na terra do queijo e do chocolate). Pois bem, voltei da terra longínqua, e eis que um turbilhão de atividades tomou conta de cada hora do meu dia. Me matriculei em TCC, comecei mais um estágio, tinha que terminar o relatório final para mandar para a universidade na qual eu trabalhei na Suiça.... 

 
(isso é mais ou menos o que se assemelha o lado interno da minha cabeça ultimamente)

Ou seja né amigos, a poeira do Tage des Glücks, que já estava vergonhosa, começou a formar montes gigantescos nos cantos.
E é aquela velha história, parece que quanto mais protelamos o acontecimento de alguma coisa, mais vergonhoso se torna o retorno ¬¬
Mas...
Chega de trelelé e justificativas. =)
Só queria dizer que senti falta daqui, e que estou montando um post novinho pra reinaugurar de verdade esse espaço xumbrega que a pessoa aqui se dignou a montar.
Espero voltar com tudo.
See you soon!!!

Figura ilustrativa daqui

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Blog em recesso

Oi gente.
É, o Tage des Glücks parece abandonado, né?
Mas é não, povo... não tenho postado nada por pura falta de tempo em função da faculdade e de alguns projetos profissionais e do meu laboratório.
Eu poderia me dedicar mais? Sim, provavelmente, mas com uma safra de cabelos brancos totalmente desnecessária, e os posts cairiam em qualidade, certamente...
Então, acompanhando a ideia do querido @samir_elian, do Meio de Cultura, eu declaro que meu blog está em recesso (pela própria concepção da palavra, uma parada transitória, que fique claro!).
Não tenho certo previsão de quando vou voltar a escrever, mas espero que seja o mais breve possível!

Um abraço bem apertado, gurizada
E até breve

terça-feira, 4 de maio de 2010

Update do #PremioBeNeviani

Por motivos alheios à nossa vontade, o Premio Bê Neviani teve seu período de vigência reduzido para 15 dias, do dia 23 de abril a 07 de maio de 2010.
Os vencedores serão anunciados via Twitter em 16 de maio de 2010, domingo.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O grilo cantor, a mosca parasita e a fêmea indecisa (#PremioBeNeviani)

ResearchBlogging.org
Todo estudante de Biologia que já tenha aprendido sobre Seleção Sexual deve ter visto algo a respeito do balanço entre ela e a Seleção Natural no caso do pavão, por exemplo. E mesmo um "leigo" no assunto já deve ter se perguntado, visitando um zoológico ou algo do tipo, se realmente vale a pena o pavão macho "carregar" toda aquela parafernalha de penas como item de atração de fêmeas, em detrimento da sua capacidade de fuga de um predador, digamos.

Veja bem, os machos que usam artifícios de atração (visuais, canto, etc) o fazem porque as fêmeas, de uma forma geral, "gostam" disso, e associam essas características à uma capacidade do macho de prover benefícios que aumentem o fitness da fêmea, ou ainda benefícios genéticos que aumentem o fitness da prole. Entretanto, a associação com um macho mais exibidinho pode trazer riscos de predação à fêmea, já que os predadores serão atraídos bela "belezura" do macho, mas certamente não iriam refugar a fêmea, se ela estivesse por perto dando sopa, claro. Isto se chama o "custo da associação".
Então, assim como os machos precisam manejar o balanço entre ter fêmea (e filhos, levando adiante seus genes) e predação (ou seja, sua própria segurança), a fêmea também tem a difícil tarefa de ver se vale mais a pena ter um machão que traga tudo de bom para seu lar e família, mas com um predador faminto de lambuja, ou escolher um mais mirradinho, mas seguro.
E justamente por causa desses efeitos nas preferências das fêmeas, os preços da associação podem também mudar a natureza da seleção sexual nos traços do macho.

Foi dentro dessas premissas que Cassandra Martin e William Wagner, da Universidade de Nebraska-Lincoln, desenvolveram seu estudo. Mas não foi com belos pavões ou aquelas outras aves vistosas.
Foi com grilos.
Ué, você realmente acreditava que os grilos não amavam, meu caro?

Os machos de algumas espécies de grilos são parasitados pela mosca parasitóide Ormia ochracea (essa aí embaixo sobre o grilo, fazendo a festa). Essas espertinhas encontram seus hospedeiros guiando-se pelo canto dos machos, depositando então as larvas ao redor deles. Essas larvas podem permanecer fora do hospedeiro por no máximo duas horas, o que evidencia que, apesar de o macho "chamar", outros grilos que estiverem na volta também podem ser parasitados de certa forma indiretamente. Além disso, alguns estudos prévios demonstraram que as moscas se orientam preferencialmente para os machos com os mesmos tipos de canto que as grilos fêmeas preferem. E como as fêmeas não cantam, para elas serem parasitadas, precisam estar em associação com um macho cantor. Noooossa, que coincidência, não? Coincidência nada, evolução!

Neste estudo, então, os autores usaram um experimento à campo para testar a hipótese de que fêmeas em associação com machos de canto de pio mais alto (os mais exibidos, resumindo) incorrem em um maior risco de parasitismo. Eles também observaram a taxa de parasitismo de grilos fêmeas em campo, além de usarem um estudo de infecção laboratorial para ver se essa estimativa em campo estava tendenciosa pelas diferenças de padrões de atividade entre fêmeas parasitadas ou não.

Experimento de risco de parasitismo
Grilos da espécie Gyllus lineaticeps (algo parecido com esse aí embaixo) criados em laboratório (há diversas gerações, e, por isso, garantidamente não parasitados) foram levados a campo, e casais foram posicionados em gaiolas sobre alto-falantes difundindo canto com alta ou baixa taxa de pio (essa taxa diferenciaria o macho "exibido" do "tímido"). Essas gaiolas possuiam aberturas grandes o suficiente para moscas parasitóides entrarem, porém pequenas o suficiente para evitar a saída dos grilos.

Assim, antes do pôr-do-sol, o casal era posicionado na gaiola (o macho tinha suas asas dianteiras seladas com cera de abelha, para assim controlar a taxa de pio). Então, o canto era difundido durante 30 minutos, e as gaiolas eram checadas para a presença de moscas 10, 20 e 30 minutos após o início da difusão (os tempos de associação e canto foram propositalmente muito maiores do que o que seria em condições naturais, para facilitar o estudo, já que a intenção era verificar a diferença entre os cantos, apenas).
Após isso, os grilos retornaram para laboratório, foram individualizados, e monitorados para pupas parasitóides durante 15 dias (os que morreram antes ou sobreviveram mais tempo foram dissecados para verificar o status de parasitismo).

E, como esperado, moscas parasitóides tem maior probabilidade de serem observadas nas gaiolas com difusão do canto com alta taxa de pio, segundo o teste de Fisher aplicado. Devido a isso, a probabilidade de estas gaiolas apresentarem pelo menos um grilo parasitado também é maior nelas do que nas que difundiam cantos com taxa de pio menor.
Analisando separadamente os grilos segundo o sexo, os grilos machos foram parasitados mais provavelmente nas gaiolas de alta taxa de pio. Entretanto, no caso das fêmeas, a diferença de probabilidade se mostrou significativa, segundo o teste de Fisher. Aliás, segundo os cálculos dos autores, o risco de parasitismo para fêmeas nas gaiolas com canto de alta taxa de pio se mostrou 1,8 vezes maior que as nas outras gaiolas (olhem o gráfico abaixo).

Mas por que não houve diferença significativa no caso dos machos? Os autores levantaram algumas hipóteses: como estava o casal, a mosca na verdade podia "escolher" colocar as larvas em quem quisesse. Como a fêmea é maior que o macho, e bem mais ativa, a probabilidade tanto de a mosca depositar as larvas nela, quanto de ela acabar "pegando" larvas pelo substrato, é maior. Há ainda o fato de que provavelmente o macho seja mais resistente ao parasitóide, visto a pressão seletiva de parasitismo mais forte e constante sobre ele.

Taxas de parasitismo
Esta parte dos estudo foi mais um levantamento, seguido de triagem: os grilos foram coletados por busca visual no Rancho Sierra Vista, na California, em áreas com pouca ou nenhuma vegetação, em 2007 e 2008 (porém, em 2008 foram coletadas fêmeas somente).
Os autores buscaram separar os grilos coletados em épocas anteriores ou posteriores à atividade das moscas parasitóides (para isso, eles faziam acompanhamento da atividade delas paralamente, utilizando aqueles mesmos "cantos sintéticos" como isca).
Os grilos coletados seguiram o mesmo caminho dos do experimento anterior (mantidos em laboratório e verificados para parasitismo).

Na coleta de 2007:
- 1% das fêmeas coletadas estavam parasitadas (1 de 104)
- 59,1% dos machos coletados estavam parasitados (13 de 22)
A disparidade do número de machos/fêmeas coletados provavelmente foi devido aos hábitos diferentes (machos preferem permanecer escondidos em refúgios, enquanto que as fêmeas ficam "borboleteando" em busca dos machos).

Na coleta de 2008:
- nenhuma fêmea foi parasitada antes de as moscas serem observadas (0 de 50)
- 6,1% das fêmeas coletadas após a observação de moscas ativas estavam parasitadas (3 de 49)
(nesse ano não foram coletados machos!)

Entretanto, para verificar se as diferenças observadas entre o número de fêmeas parasitadas e não-parasitadas podem ser tendenciosas, devido a diferenças de comportamento de atividade destes insetos nestas condições, os autores desenvolveram um Experimento de Padrões de Atividade.
Para isso, foram utilizadas grilos fêmeas provenientes de criação laboratorial. Algumas foram infectadas manualmente, com auxílio de um estilete para depositar larvas no tecido macio que existe entre o pronoto e as asas dos insetos. No caso das "testemunhas", foi realizado o mesmo procedimento de infecão, porém com estilete limpo (isso para evitar observação de atividades diferentes, mas que fossem decorrentes apenas da metodologia de infecção). Então as fêmeas foram individualizadas em recipientes com substrato, abrigo, água e alimento.
Os padrões de atividade das fêmeas foram observados em "arenas" feitas de madeira compensada, com as paredes internas cobertas por plástico preto, e uma camada fina de areia como substrato.
Pequenos (10x10cm) abrigos feitos com papel de caixa de ovo foram posicionados em duas fileiras de seis dentro da arena, sendo as fileiras 50cm distantes, e cada abrigo da mesma fileira 45cm distantes. Pequenas placas de Petri de plástico, com três pedações de comida de gato dentro, foram colocadas equidistantementes entre os abrigos adjacentes em cada fileira, para encorajar as fêmeas a deixarem os abrigos e forragearem. Três lâmpadas iluminaram a arena.
Agora sente só a situação dessas meninas, fala sério. Eles mantinham as luzes acesas durante 10 a 12 horas, para simular as condições diurnas. Após este período, desligavam as luzes, e ligavam aquele mesmo canto sintético de alta taxa de pio. A intenção era verificar a atividade das fêmeas pela arena sob este estímulo, ou seja, se elas iriam permanecer sob os abrigos ou não, procurando pelo macho cantor (que, a julgar pelo canto, deve ter passado a impressão de príncipe no cavalo branco!). Durante a cantoria noturna (sim, o próprio brejo!), que foi de 4 horas (sendo 1 de aclimatação e 3 de avaliação), a localização de cada grilinha era verificada com auxílio de uma lâmpada de cabeça (embaixo de abrigo ou não). O acompanhamento de cada grilinha foi possível porque, previamente, os pesquisadores marcaram o tórax de cada uma com uma combinação específica de pontinhos feitos com corretivo.
Os pesquisadores testaram 3 fêmeas parasitadas e 3 não-parasitadas por vez, sendo que fizeram 4 repetições com fêmeas diferentes. E estas avaliações foram feitas no 2° e 6° dias após a infecção manual (isso porque, segundo alguns outros estudos, o parasitismo desenvolve efeitos comportamentais e reprodutivos somente 3 a 5 dias pós-infecção).
Entretanto, toda essa parafernalha brejeira não gerou resultados estatísticos (ver gráfico abaixo) que mostrassem alguma diferença comportamental entre as "grilas" parasitados ou não (tanto dentro do mesmo dia de avaliação, quanto entre os diferentes dias).

Então, né, o custo que as grilas fêmeas tem que pagar pra ficar com o "garotão" é bastante alto. Na verdade, é a própria morte, já que este é o destino certo desse parasitismo. Não que a vida desses bonitos seja lá uma eternidade (para nossos padrões, claro): de 2 a 5 semanas. Mas imagine, se uma jovenzinha for parasitada, seu período reprodutivo vai cair das poucas semanas que seria para alguns dias. Nada de muitos filhotinhos e chá-de-fraldas pra ela. Sendo assim, pelo custo decorrente do parasitismo, e também pelo alto risco corrido ao ficar próximo de machos com o canto mais alto, a evolução das preferências das fêmeas por canto de machos nesta espécie deve ser afetada não só pelos benefícios de acasalar com machos de canto alto (aparentemente esses machos transferem produtos de fluído seminal para as fêmeas que aumentam a fecundidade dessas últimas), mas também pelo risco do parasitismo pelas moscas, que resulta da associação com estes "príncipes".

Outros estudos referenciados pelos autores mostran que o parasitismo por moscas parece ter afetao a evolução do comportamento de corte de machos de um número de espécies. Mas se o risco desse parasitismo para as fêmeas é suficientemente forte para afetar a evolução do padrão de corte das fêmeas, ainda não é sabido.
Estudos de uma variedade de organismos sugerem que a seleção natural direcional é tipicamente fraca. Entretanto, mesmo pequenos efeitos no fitness podem resultar em grandes mudanças evolutivas, dado o efeito cumulativo da seleção através de diversas gerações.
Assim, como a diferença de risco corrido pelas fêmeas em associação com machos exibidos se mostrou relativamente grande nesse estudo, os autores sugerem que a seleção deve ser suficientemente forte para favorecer comportamentos das fêmeas que reduzam o risco de parasitismo (como diminuir a preferência por esses machos).
Em adição a isso, a taxa de parasitismo de fêmeas a campo relativamente baixa pode ser uma consequência de táticas anti-parasitismo efetivas que já estão evoluindo, como o acasalamento em épocas que as moscas estejam menos ativas, o acasalamento menos frequente ou a escolha por machos menos arriscados.

Este post faz parte do #PremioBeNeviani, e você pode entendê-lo melhor nesse post aqui. Este Prêmio é uma homenagem ao aniversário da nossa querida tuiteira e dispersora de informações @Be_neviani, dia 22 de abril.
Bê, querida, essa foi uma pequena mostra da nossa admiração por ti, e a fizemos de uma forma que tentasse transparecer ao máximo teu perfil informativo, dispersor e tão carinhoso!
Um super mega feliz aniversário pra ti!!


Follow me on Twitter!

Martin CM, & Wagner WE (2010). Female field crickets incur increased parasitism risk when near preferred song. PloS one, 5 (3) PMID: 20231888

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Prêmio Bê Neviani: Porque não basta divulgar, tem que dispersar!

Depois do recente anúncio feito pela vetusta Biblioteca do Congresso (Library of Congress), comunicando que arquivará todas as mensagens públicas postadas no Twitter desde o início do serviço de microblog, não restam dúvidas de que esta mídia social veio para ficar.

Segundo os cofundadores Bizz Stone e Evan Williams, hoje o Twitter tem 105 milhões de usuários registrados, e 300 mil novos usuários ingressam no serviço a cada dia. Seu crescimento médio foi de 1.500% por ano, desde a fundação da "Twitter Inc" em março de 2006. O serviço atende a 19 bilhões de buscas por mês. Apenas comparando, o Google atende a 90 bilhões no mesmo período.

Não se pode negar - o Twitter é uma ferramenta 2.0 por excelência: seu conteúdo é gerado e compartilhado pelos próprios usuários. A dinâmica do microblog funda-se primordialmente na atuação dos tuiteiros, que seguindo e sendo seguidos, dispersam conteúdos virtuais.

A ação de tuiteiros que dispersam conteúdos relevantes no universo tuitiano merece destaque e deve ser aplaudida. Foi essa premissa que inspirou a criação do Prêmio Bê Neviani, reconhecendo a incrível capacidade de dispersão de tuítes com conteúdo diversificado, como cultura, ciência, tecnologia, notícias e muito mais, do perfil @Be_neviani.

Nunca houve uma tuiteira como @Be_neviani

Hoje, dia 22 de abril de 2010, estamos lançando o
Prêmio Bê Neviani: porque não basta divulgar, tem que dispersar

Regulamento:

- O Prêmio Bê Neviani é aberto a todos os tuiteiros que tenham blogues de conteúdo informativo: ciências, cultura (literatura, cinema, artes, fotografia, música, etc), filosofia, notícias, dicas e assemelhados.

- Os blogues participantes da campanha tuitarão, no período de 23 de abril de 2010 a 23 de maio de 2010 links para seus posts, publicados em qualquer data e com qualquer temática, obrigatoriamente usando a hashtag #PremioBeNeviani e o encurtador de links Bit.ly.

- No período de vigência da campanha, os retuítes (RTs) que os links desses posts receberem serão computados para a apuração de dois ganhadores, um em cada uma das duas seguintes categorias:

Categoria 1: blogueiros – o vencedor será o blogueiro cujo post recebeu mais RTs. O prêmio dessa categoria será o livro “Criação Imperfeita”, de Marcelo Gleiser.

Categoria 2: tuiteiros – o vencedor será o tuiteiro que deu RTs em qualquer dos tuítes postados durante a vigência da campanha. Essa categoria terá sua apuração por sorteio. O prêmio para essa categoria será o livro “Além de Darwin”, de Reinaldo José Lopes.

O anúncio do prêmio será em 30 de maio de 2010, pelo Twitter.

Para participar, envie um tuíte para as administradoras @sibelefausto ou @dra_luluzita, ou então comente aqui, que entraremos em contato.

Abaixo, segue a relação dos blogues e tuiteiros participantes. À medida que mais blogueiros aderirem a essa campanha, essa listagem será atualizada.

Blog - Blogueiro-tuiteiro

100nexos @kenmori

Amiga Jane @lacybarca

Bala Mágica @balamagica

Blog Bastos @bastoslab

CeticismoAberto @kenmori

Chapéu, Chicote e Carbono 14 @reinaldojlopes

Ciência na Mídia @ciencianamidia

Ciência ao Natural @CienAoNatural

Diário de um Gordo @Edgard_

Discutindo Ecologia @brenoalves e @luizbento

Dicas Caseiras para quem mora só @uoleo

Ecce Medicus @Karl_Ecce_Med

Efeito Azaron @efeitoazaron

Ideias de Fora @IdeiasdeFora

Joey Salgado... mas bem temperado @joeysalgado

Karapanã @alesscar

Maquiagem Baratinha @aninhaarantes

Meio de Cultura @samir_elian

Minha Literatura Agora @jamespenido

O Amigo de Wigner @LFelipeB

O divã de Einsten @aninhaarantes

O que todo mundo quer @desireelaa

Psiquiatria e Sociedade @danielmbarros

Química Viva @quiprona

Quiprona @quiprona

Rabiscos @skrol

Tage des Glücks @nataliadorr

Tateando Amarras @eltonvalente

Terreno Baldio @lacybarca

The Strange Loop @josegallucci

Toda Cultura à Nossa Volta @fabiocequinel

Tuka Scaletti @TukaScaletti

Twiterrorismo @aninhaarantes

Uma Malla pelo Mundo @luciamalla

Uôleo @uoleo

XisXis @isisrnd

42 @uoleo

Anderson Arndt @anderarndt

Biblioteca Médica Virtual @bibliovirtual

Blog do Tom Zé @tomzemusic

Eco Desenvolvimento @clauchow

Massa Crítica @luisbrudna

n-Dimensional @renanpicoreti

Rainha Vermelha @oatila

RNAm @Rafael_RNAm e @ciensinando

Scienceblogs Brasil @scienceblogsbr

Seres Coletivos @gisellezamboni

Techboogie @gpavoni

Você que é biólogo @tagomago_rj

E uma menção especial ao blog Never Asked Questions, do @rmtakata, que embora não esteja concorrendo, publicou um ótimo perfil de @Be_neviani: http://bit.ly/d8i5qD

Biocientista @biocientista @Weruska

Blog do C.F.C. @carloscollares

Brontossauros no meu jardim @carloshotta

Física na Veia @dulcidio

Ibrahim Cesar @ibrahimcesar

Meio Digital @pedropenido

O Silêncio Nu @dariofduarte

domingo, 7 de março de 2010

Politics of Snow: pintando as mudanças climáticas

Vamos de arte dessa vez. Mas sem deixar de lado a preocupação ambiental.
E vamos também direto com gelo e neve, já que estamos todos tão ambientados a este clima gelado depois das Olimpíadas de Inverno em Vancouver.
A artista Diane Burko resolveu trazer às telas e pincéis uma realidade muito comentada ultimamente, mas talvez não tão fisicamente exposta para o grande público: em sua exposição Politics of Snow, fez pinturas de paisagens de montanhas geladas em série, mostrando a mudança do aspecto destas paisagens durante o último século.
Para isso, ela desenvolveu todo um projeto de pesquisa com especialistas da US Geological Survey's, do National Snow and Ice Data Center da Universidade do Colorado, entre outros, para conseguir informações e fotografias dos aspectos de algumas montanhas de diferentes épocas. Então ela pintou tudo isso em quadros seriados, mostrando o avanço do degelo destas paisagens, acompanhando o aquecimento global.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Love is in the... Water! Uma saga entre amor e sobrevivência

ResearchBlogging.org Certafeita estava eu lendo um post (como sempre, muito bom) no Discutindo Ecologia, que falava sobre desventuras amorosas do peixe Poecilia reticulata. Achei interessante, e resolvi dar um pitaco sobre um artigo que eu li sobre outra espécie do mesmo gênero, P. mexicana (essa aí embaixo!), o qual, incrivelmente, também tinha "love is in the air". O Breno Alves (um dos guris que mantêm o blog) então me recomendou fazer um post sobre o artigo.

Então, aproveitando tamanha complexidade amorosa desses peixes, e os embalos do Valentine's Day que foi dia 14 de fevereiro, aqui vai ele!
Seleção divergente pode não levar somente à divergência de características morfológicas, por exemplo, mas também pode levar ao isolamento reprodutivo entre populações, culminando na especiação. O chamado "isolamento pós-zigótico" (problemas pós fertilização, como a inviabilidade do zigoto, por exemplo) entre populações alopátricas pode aparecer quando estas divergem geneticamente. Durante a especiação ecológica, entretanto, o isolamento pré-zigótico pode se manifestar quando imigrantes estrangeiros e de hábitas divergentes ecologicamente tentam "tirar uma lasquinha". Em palavras mais paupáveis, não rola a tal "química". Isto pode acontecer por seleção natural, se esses imigrantes tem uma viabilidade reduzida, ou por seleção sexual, se os indivíduos menos adaptados são discriminados durante a escolha de parceiro.

A equipe de M.Tobler resolveu investigar os potenciais mecanismos contribuindo para o isolamento reprodutivo no pequeno peixe Poecilia mexicana, ocorrendo ao longo de um gradiente de condições ambientais abióticas no sistema da Cueva del Azufre, próximo de Tapijulapa, no México. Nesse sistema, os pesquisadores trabalharam com peixes de três ambientes contínuos que não são separados por barreiras geográficas, mas que porém apresentam características diferentes. Para facilitar o entendimento, vamos dar nomes aos bois: Cueva del Azufre (propriamente dita) é a parte mais cavernosa, escura, e com altas quantidades de sulfureto; El Azufre é a porção superficial, porém contendo ainda sulfureto, e Arroyo Cristal e Arroyo Bonita, por fim, são áreas de águas superficiais sem sulfureto. Abaixo tem uma figura mostrando os três ambientes.

Como eu disse, os três ambientes ocorrem em uma ordem linear, e o fluxo de água corre da Cueva del Azufre, passando para o El Azufre, e por fim chegando aos Arroyos. Os pesquisadores focaram os experimentos nas duas potenciais áreas de contato entre peixes de áreas vizinhas. Fiz esse esqueminha representando isso que acabei de explicar.

Previamente, outros pesquisadores já haviam demonstrado que o fluxo gênico dentro de cada um dos hábitats é realmente alto, porém, essa taxa cai para virtualmente zero entre hábitats diferentes (mesmo que não haja qualquer barreira impedido a movimentação dos peixes entre as áreas). Tobler et al então queriam testar as potenciais seleções natural e sexual contra imigrantes. Para isso, eles utilizaram experimentos de escolha de parceiro para testar a preferência das fêmeas por machos residentes ou imigrantes, e experimentos de translocação recíproca para testar a viabilidade diferencial entre peixes imigrantes e residentes.

Mas vamos por partes...

Seleção sexual
Os peixes foram aclimatizados durante 24 horas em containeirs aerados, preenchidos com água do respectivo sítio de coleta, sendo machos e fêmeas mantidos separados. Já os testes foram conduzidos em 5 tanques idênticos, sendo que cada um foi dividido em três zonas: uma zona central neutra, e duas zonas de preferência, laterais. Os estímulos foram apresentados em dois tanques menores, posicionados em cada lado do tanque-teste. Assim, antes de cada experimento, os estímulos (=machos) eram posicionados nos tanques laterais, um macho em cada lado. Em seguida, uma fêmea era colocada no tanque-teste. Assim que ela se sentisse "em casa" e começasse a nadar livremente, o "julgamento" começava.
Esse julgamento foi assim: os pesquisadores mediram o tempo que a fêmea gastou em cada uma das zonas de preferência durante um período de observação de 5 minutos. Para impedir confusões, logo após o primeiro julgamento, os machos eram trocados de lado, e a análise era repetida. Assim, o teste de escolha consistiu de dois períodos de observação, perfazendo 10 minutos.
No total, quatro diferentes experimentos foram conduzidos, refletindo todas as possíveis migrações entre hábitats adjacentes:
(1) fêmeas da Cueva del Azufre x machos "conterrâneos" e machos de El Azufre
(2) fêmeas de El Azufre x machos "conterrâneos" e machos de Cueva del Azufre e (3) machos do Arroyo Bonita
(4) fêmeas do Arroyo Bonita x machos "conterrâneos" e machos de El Azufre.

Resultados
Os testes revelaram significativa preferência das fêmeas por machos conterrâneos em detrimento de machos de populações divergentes ecologicamente (ver esse gráfico abaixo). Apesar de sem diferença estatística significativa, as fêmeas do Arroyo Bonita mostraram qualitativamente uma preferência menor, se comparadas às fêmeas das outras populações.

Seleção natural
Foram realizados experimentos de translocação recíproca entre os hábitats El Azufre x Arroyo Crystal e El Azufre x Cueva del Azufre, usando baldes de 20 litros como compartimentos experimentais, sendo que em ambos os lados foram feitos furos fechados com uma malha, mantendo assim o fluxo de água com o ambiente. Em seguida, estes baldes foram posicionados diretamente em uma área rasa dos hábitats naturais considerados nos experimentos, equipando cada balde com 3,5cm do substrato natural.
Para os experimentos, 6 indivíduos de um dado local foram introduzidos em um balde experimental. Em metade dos baldes de cada hábitat foram colocados peixes residentes, e na outra metade peixes do outro tipo de hábitat. Importante salientar que, no caso das áreas com presença de gás sulfídrico, os baldes foram posicionados em locais com concentração relativamente mais baixa do composto químico, fora o fato de que esse tipo de experimento teoricamente deveria ser mantido por um tempo longo, para observar mudanças corporais a longo prazo (e os experimentos foram curtos).
Assim, mesmo peixes de hábitats não-tóxicos teoricamente iriam sobreviver por longos períodos nas áreas tóxicas. Entretanto, altos níveis de mortalidade forçaram os pesquisadores a usar sobrevivência após 24 horas como uma variável dependente. Todos os experimentos foram imediatamente terminados após este período, então os peixes foram medidos para compimento padrão (standad lenght SL), e os indivíduos sobreviventes foram soltos em seus locais de origem.

Resultados
Nas translocações de peixes entre ambientes superficiais com H2S e sem, houve uma correlação significativa, ou seja, os peixes que não eram autóctones sobreviveram menos.
Os indicadores de qualidade da água não foram diferentes entre os ambientes. Porém, os ambientes com H2S diferiram dos sem não só pela presença de H2S, mas também pela temperatura e condutividade elétrica mais elevadas, assim como pH e oxigênio dissolvido mais baixos.
Já translocações entre El Azufre e Cueva del Azufre não apresentaram mortalidade significativa dentro de 24 horas. Neste caso, os parâmetros da qualidade da água não diferiram entre os ambientes avaliados (ver gráfico abaixo).

Com esses experimentos, os pesquisadores concluíram que tanto a seleção natural quanto a sexual contribuiram para a divergência genética entre essas populações tão próximas.
Vale lembrar que estes peixes apresentam "belezas" bastante diversas: os peixes dos hábitats contendo gás sulfídrico são mais cabeçudos e apresentam brânquias maiores, e os de áreas cavernosas têm olhos menores e menos pigmentação, porém apresentam os sensos não-visuais mais acurados.

A baixa viabilidade dos peixes nas translocações não foi surpresa alguma, já que o gás sulfídrico é um composto tóxico letal para a maioria dos metazoários, por impedir a respiração celular. Assim, os peixes que vivem nas áreas ricas nesse gás evoluiram vias fisiológicas para detoxificar este composto, além de adaptações respiratórias (como as brânquias maiores), para mediar a tolerância. Adaptações respiratórias se tornam muito relevantes especialmente em sistemas como este do estudo, já que a presência de sulfureto é altamente relacionada com hipóxia, mas, ao mesmo tempo, oxigênio é requerido para a detoxificação fisiológica do sulfureto. Assim, os peixes dos hábitats sem esse composto provavelmente sucumbiriam nas translocações, como foi observado.
Entretanto, por que os peixes transferidos de áreas tóxicas para não-tóxicas também apresentaram baixa viabilidade? Essa pergunta foi mais difícil de responder. Certamente os peixes das áreas com sulfureto não necessitam deste composto para sobreviver e crescer. Porém, vale lembrar que os hábitats com ou sem o composto não diferiam somente neste ponto, mas também em outros aspectos da qualidade, como a temperatura e condutividade menores, assim como pH e concentração de oxigênio maiores. Mesmo assim, todos esses valores, apesar de diversos, ainda estão dentro do espectro que a espécie toleraria. Já foram documentadas outras espécies de Poecilia que toleram flutuações muito maiores nesses parãmetros de qualidade da água.
Os autores apresentaram então a hipótese de que a alta mortalidade de peixes de áreas tóxicas quando translocados para áreas não-tóxicas seria devido ao estresse oxidativo, talvez em combinação com a frequente baixa condição corporal e limitação de energia dos peixes destes ambientes sulfídricos.
Outra questão bem interessante, mas que permanece à procura de resposta, é se a aclimatização durante períodos prolongados de tempo iria permitir os migrantes a lidarem com as condições ambientais diferentes das de origem. Há ampla evidência de regulação transcricional de proteínas antioxidantes dependendo das concentrações de oxigênio no ambiente, e P. mexicana de hábitats sulfídricos parecem ser capazes de se ajustar a concentrações mais altas de oxigênio, como comprovaram alguns testes laboratoriais.
Em contraste a este cenário, pouco se sabe sobre as respostas de organismos a exposições repetitivas a sulfureto. A maioria dos organismos provavelmente são capazes de detoxificar H2S até um certo ponto, já que sulfureto está presente na atmosfera em concentrações muito baixas, e também é produzido endogenamente por células eucarióticas como produto da catalização da cisteína. Não obstante, apenas alguns organismos são capazes de resistir a uma exposição continuada a altas concentrações de H2S. Consequentemente, a força da seleção, principalmente contra peixes de movendo de hábitats com sulfureto para hábitats sem, mas também no sentido contrário, deve ser menor que aquela observada nos experimentos de translocação.
Claro que, para comprovar tudo isso, ainda falta bastante estudo, experimentos e testes. É aguardar pra ver.

De uma forma geral, os pesquisadores encontraram baixas taxas de fluxo gênico entre El Azufre e Cueva del Azufre, mas nenhum entre El Azufre e Arroyo Bonita, o que é congruente com os resultados dos experimentos de seleção natural via translocação. Em contraste, a seleção sexual provavelmente tem um papel comparativamente menor na mediação do isolamento reprodutivo, já que acasalamentos entre peixes de diferentes populações podem ocorrer, a despeito da preferência de acasalamento.
Em conclusão, há muitas evidências de que a seleção contra imigrantes contribui substancialmente para o isolamento reprodutivo entre populações adjacentes vivendo em diferentes tipos de hábitats. Particularmente, a viabilidade reduzida de imigrantes - tanto por seleção por fator ambiental abiótico (H2S), ou por uma combinação de fatores abióticos e bióticos (luz e predadores em ambientes cavernosos x ambientes superficiais) parecem contribuir para manter a diferenciação genética em escalas espaciais pequenas.

É amigos... quem disse que o amor é simples?
Não basta a tal química. Sobrevivência é fundamental.


Referências bibliográficas:
- Tobler M, Riesch R, Tobler CM, Schulz-Mirbach T, & Plath M (2009). Natural and sexual selection against immigrants maintains differentiation among micro-allopatric populations. Journal of evolutionary biology, 22 (11), 2298-304 PMID: 19807829

domingo, 7 de fevereiro de 2010

De volta à atividade

Então... (entrando de clima paulista, para não perder o costume... TCHÊ! hehehe).
Chegou ao fim aquele curso de verão que comentei no último post. Gente, tava excelente!!
Ótimas aulas, palestras, mini-curso... gostei de tudo, principalmente do clima aconchegante e acolhedor que o povo da USP proporcionou pra gente.
Muito obrigada a todos que organizaram este evento tão bacana, e um alô especial pra Paulinha (que deve estar lendo esse post né guria!) e todo o pessoal do laboratório de Expressão, regulação e função gênica de eucariotos, onde eu fiz o mini-curso "RNAi como uma ferramenta para estudos funcionais in vivo". Gostei demais de passar esses dias labutando e sofrendo dissecando discos imaginais de Drosophila com vocês. Aprendi coisas que vou levar pra vida toda!
Essa foto aí abaixo foi depois de apresentarmos os resultados do mini-curso para o outros professores e alunos. Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Anderson, Murilo, Marianna, prof. Maria Luisa, eu, Mayara e Priscila.

Este é todo o povo que trabalha no Lab (quase nada animados, como se pode ver!). Nessa foto também mostra o Gustavo (de azul) e a Paulinha (do lado da professora), que também nos ajudaram no mini-curso, mas não puderam ir na apresentação.


Ah, e só um pitaco: teve uma palestra sobre Evo-Devo lá no curso ... na verdade, DUAS! Vocês imaginam minha satisfação vendo aqueles esquemas de colinearidade de genes Hox no telão?
Tem alguns professores desevolvendo trabalhos super interessantes sobre o assunto por lá, como a Tiana Kohlsdorf. Vale a pena conferir!

De volta ao Tage des Glücks, sem mais Evo-Devo, estou retornando à ativa, e espero conseguir montar uns posts legais para meus queridos leitores.
Havendo sugestões, críticas, qualquer coisa... deixe seu comentário!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Evo-Devo pt 4: Sobre Genes e Borboletas (The Beauty of Butterflies)

ResearchBlogging.org
Bem, cá estava eu matutando com meus botões qual seria o capítulo final da Quadrilogia Evo-Devo. Me deparei (no Infinitas Formas de Grande Beleza, do Sean Carroll) com um assunto que acho muito bacana: os padrões gráficos das asas das borboletas e a influência gênica sobre eles. Mas, como eu queria realmente fazer um post que fechasse com chave de ouro a "Saga", continuei pensando em outras alternativas, e tal.
Mas eis que, numa bela manhã abafada e insuportavalmente quente, estava eu chegando no laboratório, e dou de cara com essa belezura que vocês podem ver abaixo. Fui eu que tirei as fotos, então, por favor, não notem a falta de profissionalismo fotográfico!


Não faço ideia de qual o nome dela (alguém sabe?), mas é realmente impressionante, não é? Igual uma folha! E o corpitcho branquinho, então? Bom, coincidências a parte, esse "encontro" me fez deixar de lado as dúvidas e falar de uma vez sobre as maravilhas das cores e formas das asas das borboletas aqui no Tage des Glücks, e espero que vocês gostem do que vão ler :)

Andy Warhol já mostrava as infinidades de possibilidades de pinturas sobre a tela das asas das borboletas em seu " Happy Butterfly Day" em 1955 (vejam a reprodução abaixo), e não seria de estranhar que cientistas fossem se interessar pelo "processo de fabricação" dessa variedade toda.

A beleza e diversidade do que se vê na ordem Lepidoptera (que inclui as mariposas e borboletas) se devem principalmente a três invenções posteriores à separação dessa linhagem dos outros insetos: escamas, coloração e sistemas de organização geométrica nas asas. Pra não exaurir a paciência dos queridos leitores, vou falar dessa última parte.
Os padrões geométricos nas asas se devem à invenção e elaboração de vias embrionárias que os organizam, sendo que os ocelos são os elementos mais conhecidos. Esses círculos são compostos por anéis concêntricos de escamas de diferentes cores. Os ocelos aparentemente são importantes na evasão de predadores (aspecto chamativo ou semelhança com olhos provocando desvio da atenção e possível ataque para a margem externa da asa). Inclusive, o pesquisador Fred Nijhout demonstrou que a posição dos futuros ocelos é determinada ainda na lagarta, e que os anéis concêntricos são induzidos por um organizador, chamado foco, que se localiza no centro do ocelo em desenvolvimento.
Mas, e os genes responsáveis pela formação dos ocelos, por exemplo? Seria interessante verificar qual o arcabouço genético por detrás dessas estruturas... Foi isso o que o glorioso Sean Carrol fez. No laboratório dele, onde se trabalha muito com Drosophila, alguns pesquisadores isolaram diversos genes do kit de ferramentas da borboleta Junonia coenia (essa bonita logo abaixo), cujos homólogos estavam envolvidos da construção e organização das asas de drosófilas.


Até aí não tinha grandes segredos. Afinal, são insetos, certo? O objetivo real era observar a geografia da expressão desses genes nas asas dessa borboleta (isso, na verdade, foi feito ainda no estágio de lagarta, visto que nela que se inicia o processo dos desenhos observados nas asas dos adultos, nos chamados "discos imaginais"). Assim, poderia ser observado como os desenhos dos ocelos eram esboçados.
Bem, a parte óbvia da questão foi comprovada (expressão correspondente dos genes entre a borboleta e a drosófila para formação das asas, mostrando uma embriogênese da asa comum). O emocionante e surpreendente foi ver a expressão desses genes como padrões de manchas nos discos embrionários das asas de uma lagarta. Sean e seu técnico de laboratório, Julie Gates, viram dois pares de círculos em cada disco, precisamente onde surgiriam os ocelos uma semana depois, nas posições em que aquele outro cientista, Fred Nijhout, já havia dito que se encontrava o "foco" ao redor de onde se expandem os discos dos ocelos. Eles verificaram que os círculos eram formados apenas pelo Distal-less (o mesmo gene envolvido na construção dos membros de drosófilas e artrópodes), mostrando, assim, uma nova atibuição a esse gene. Lá estava o Distal-less se expressando nas pontas de onde seriam as asas, mas lá também estava ele se expressando nos futuros ocelos!
Não satisfeitos, a equipe de Carroll continuou funçando os ocelos das borboletas, procurando encontrar outros genes envolvidos na construção dos anéis concêntricos. Foi quando o aluno de pós-doutorado Craig Brunetti encontrou expressão das proteínas Spalt e Engrailed em um ocelo e um anel, respectivamente, na borboleta Bicyclus anynana (ó ela aí embaixo!). Nessa espécie, os ocelos apresentam um centro branco, cercado por um anel preto mais largo, o qual é então circundado por um anel dourado. O padrão da Spalt demarcava bem certinho o futuro anel preto, enquanto que a Engrailed fazia as vezes com o anel dourado.


Aí estavam mais genes fazendo os ocelos. Porém, assim como o Distal-less, esses outros dois genes não eram exatamente conhecidos por sua capacidade de fazer anéis concêntricos, ora bolas. Tome o caso do Engrailed. Ele codifica um fator de transcrição contendo homeodomínio, e foi descoberto em mutantes de Drosophila (agora você já deve estar familiarizado com esses termos, certo?), nos quais a falta deste gene resultava na falha de uma borda que normalmente divide os compartimentos anterior e posterior das asas. Homólogos desse gene já foram descritos em muitos outros grupos animais, inclusive nos humanos, onde suas proteínas (codificadas por dois genes Engrailed, En-1 e En-2) possuem numerosos (e sobrepostos) papéis no desenvolvimento neural, apresentando, de forma interessante e curiosa, uma natureza multifuncional: conseguem regular tanto a transcrição quanto a tradução, além de poderem ser secretadas e internalizadas por células. No desenvolvimento neural, um dos primeiros papéis do Engrailed é a determinação da borda entre o cérebro anterior e posterior, um importante centro de organização durante o desenvolvimento cerebral. E isso é só uma das funções, imagine só!

E, repito, lá estava o Engrailed, importante no desenvolvimento neural dos humanos (e outros mamíferos), fazendo ocelos de borboletas!!!
Veja bem, não há nada que se espantar. Neste e em tantos outros casos está em uso um dos "mantras" da natureza: a reutilização de velhas "ferramentas" para novos fins. Trocando em miúdos e usando de um exemplo hipotético, um gene que servia para ajudar na construção de uma asa, por exemplo, pode começar a fazer apêndices bucais também. Isso, principalmente, pela mudaça no (ou no número de) interruptor genético do gene. O interruptor é uma sequência responsável pela "assimilação" de sinais específicos (ele tem um GPS afiado!), que levam à ativação ou desativação do gene. Então, se antes o gene aqui fatídico só tinha interruptor que reconhecia um sinal que lhe "mandasse" expressar nas asas, agora, por exemplo, pode haver mais um interruptor, que reconhece sinais provindos da parte bucal do animal, também induzindo sua expressão.
Aliás, essa expressão gênica similar em estruturas não-homólogas é o tema de um dos artigos que eu usei como referência para este post (aquele de nome tão bonito: Wings, Horns and Eyespots: How do Complex Traits Evolve?), que mostra, junto a diversos esquemas bem bacanas, esse que eu colo logo abaixo.


Simples, mas maravilhoso. Como as borboletas, e como, aliás, tudo na natureza, na minha opinião.

E este é o final da "grande" Saga da Evo-Devo! Espero que tenha agradado, que vocês tenham aprendido coisas legais, assim como eu aprendi, no desenvolver de todos os posts.
Muy grata a todos que tiveram a paciência de ler!!

Vocês viram só que chique o selo lá em cima do post, do Research Blogging?
Pois é, agora o Tage des Glücks tem selo de qualidade!

Queria agradecer em especial ao Alessandro, do blog Café com Ciência, que sempre passa aqui visitar e me deu essa excelente dica, e também os passos para conseguir o selo.

Só mais um aviso, ho ho: nos próximos 15 dias eu vou estar em um Curso de Biologia Celular e Molecular na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Bacana, né.
Vai ser difícil eu postar alguma coisa nesse período, mas certamente responderei os comentários sempre tão agradáveis dos leitores do Tage des Glücks.
Agora sim, terminei.



Vejam abaixo as fontes que usei:
- Tirei a bela reprodução da tela do Warhol daqui, a foto da
Junonia daqui, e a foto da Bicyclus daqui.
- Carrol, S. Infinitas Formas de Grande Beleza. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
-
Monteiro A, & Podlaha O (2009). Wings, horns, and butterfly eyespots: how do complex traits evolve? PLoS biology, 7 (2) PMID: 19243218
- Morgan R (2006). Engrailed: complexity and economy of a multi-functional transcription factor. FEBS letters, 580 (11), 2531-3 PMID: 16674951