domingo, 11 de dezembro de 2011

Abraço malevo

ResearchBlogging.org
Uma proteína celular super linda, a septina, mostrou ter mais papeis que a até então conhecida capacidade de ceder suporte estrutural durante a divisão celular. A maioria dos estudos com essa e outras proteínas do tipo que se ligam a GTP tem sido desenvolvida em células de leveduras. Entretanto, um estudo recente da equipe de Pascale Cossart do Instituto Pasteur em Paris, mostrou que, em células humanas, esta proteína tem a capacidade de dar um abraço malevo em patógenos bacterianos, imobilizando-os e assim impedindo que venham a invadir células vizinhas.

O triste fim da Shigella (azul) sob o abraço malevo da septina (vermelho)

Esse padrão satisfatório foi observado sobre células da pobre Shigella, uma bactéria mais conhecida por causar surtos de diarreia, por vezes letais. Após o "enjaulamento" pela septina, a não tão sortuda Shigella (e os outros patógenos que cruzarem o caminho da tenebrosa proteina), recebem o destino infalível da autofagia, virando apenas história. 
Não é de surpreender que esse comportamento agora já esteja embasando novas ideias de controles terapêuticos de patógenos, talvez suplementando o sistema imune com drogas que mimetizem o sinalizador que permite a proliferação das jaulas de septina, assim implementando a defesa do organismo.


Mostowy S, & Cossart P (2011). Autophagy and the cytoskeleton: new links revealed by intracellular pathogens. Autophagy, 7 (7), 780-2 PMID: 21464614

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Wolbachia in concert: ela realmente tem as rédeas da relação

ResearchBlogging.org
Às vezes chego a me sentir repetitiva por fazer analogias dos casos que aqui conto com alguns temas cotidianos dos relacionamentos humanos. Mas a bem da verdade é que não tem como evitar! A situação chega a um ponto que começo a me perguntar se nós que nos espelhamos deveras em alguns exemplos da natureza, ou se ela que gosta de tirar uma onda com nossa cara imitando nossas atitudes mais bizarras.
Isso no meu mundo imaginário, claro.
Mas chega de encher linguiça, porque nesse caso o título realmente vem a calhar. Não estou falando de uma mulher naquele estilo "a última palavra aqui em casa é do 'homi': sim senhora!!", mas sim de uma alfa-proteobactéria que, dos confins longínquos de algumas células do corpo de uma mosquinha Drosophila (e tantos outros artrópodes... essa garota é promíscua que nossa), consegue controlar praticamente todo o comportamento "amoroso" e sexual da pobrezinha. Essa entrada talvez vos lembre do belo texto escrito pelo meu caro Felipe Benites no Amigo de Wigner há algum tempinho. Sim meus caros, a mochileira dos genomas Wolbachia agora também faz suas manobras pelos meus circuitos neurais quase em período integral. Recomendo, inclusive, a leitura desse texto antes de continuar com meu conto aqui, porque não quero continuar com minha fama de falar demais né amigos.
Que a Wolbachia tem bala na agulha eu não duvidei jamais, mas o Wolfgang Miller, da Universidade de Viena, e colaboradores mostraram na PLOS Pathogens em 2010 que a capacidade de manipulação dessa bactéria é deveras extensiva, com papel determinante em isolamento pré e pós-zigótico durante o processo de isolamento sexual e futura especiação de um complexo de semiespécies de Drosophila paulistorum. Esse grupo de moscas é de distribuição neotropical, e se encontra naquela linha divisória de águas, em que o isolamento sexual está levando à especiação.  Aparentemente, e para mim não mais surpreendentemente, quem está com as rédeas é a Wolbachia, já que cada semiespécie possui uma linhagem diferente da bactéria. A "coisa" anda funcionando mais ou menos assim:

Especiação incipiente em semiespécies de Drosophila paulistorum.

Os autores verificaram o padrão de distribuição da Wolbachia em embriões e tecidos de duas semiespécies da mosquinha (Amazônica e Orinocana), assim como dos híbridos do cruzamento entre elas (mamães amazônicas e papais orinocanos). As sempre bonitas figuras de fluorescência mostram que a quantidade do simbionte intracelular varia enormemente entre elas. A Orinocana, como pode-se ver abaixo, apresenta níveis bem altos de Wolbachia nos estágios blastodermais (A, em esverdeado), depois concentrando-se especificamente nas células primordiais (B, em amarelo).

Já a semiespécie Amazônica apresenta níveis fracos da bactéria, porém universais e bem distribuídos durante a embriogênese (D e E, verde-amarelado).

Já nos híbridos do cruzamento, apesar de terem herdado Wolbachia da mamãe Amazônica (herança materna do endossimbionte), os títulos da bactéria foram significativamente aumentados nos estágios blastodermais (G e H, verde-amarelado). Estas constatações se enquadram no conceito de que, sob cruzamentos híbridos, mesmo Wolbachia tendo vindo de uma mãe com baixas densidades, os híbridos sofreriam a replicação sem controle da bactéria, assim ela deixando de ser um simbionte para adquirir comportamento parasítico.

Após confirmar a presença diferencial de Wolbachia nas semiespécies, os autores conduziram uma série de experimentos, inclusive avaliando efeitos diversos de comportamento sexual das moscas após tratamento com antibióticos que dão fim às Wolbachias (Rifampicina e Tetraciclina).
Eles comprovaram que, por exemplo, esses tratamentos revertem a razão entre machos e fêmeas (a favor dos machos), já que as fêmeas são mais sensíveis aos antibióticos (acabam morrendo na fase larval), e também alteram o comportamento de preferência de acasalamento (fêmeas não tratadas seguem preferência de acasalar com machos que possuem a mesma estirpe de Wolbachia; após tratamento, os acasalamentos passam a ser aleatórios).
Assim, neste estudo foi comprovado que todas as semiespécies de D. paulistorum evoluíram fortes mecanismos de isolamento pré-zigótico e intrigantes padrões femininos de evitar machos, assim prevenindo cruzamentos inter-semiespecíficos, sem contar os mecanismos pós-zigóticos. Por Wolbachia ter evoluído fortes inter-relações compensatórias com seus hospedeiros naturais, são capazes de desencadear esses padrões de reconhecimento de acasalamento pela parte das fêmeas, favorecendo o aceitamento preferencial de machos que estão infectados com o mesmo tipo de Wolbachia, e rejeitando cruzamentos impróprios com machos que tenham uma versão diferente de seu simbionte obrigatório. Já no confuso background genético  dos híbridos, a anteriormente benigna Wolbachia lança suas garras e se mostra como parasita reprodutivo, capaz de induzir forte incompatibilidade citoplasmática embrionária bidirecional, e completa esterilidade dos machos híbridos, via perda do controle de sua replicação dentro das células hospedeiras. Já as fêmeas híbridas, apesar de férteis, apresentam o comportamento intrigante de praticamente não aceitar qualquer parceiro. Assim, os autores assumem que algum tipo de reconhecimento de parceiro direcionado pelo simbionte tenha evoluído a fim de prevenir esta forte incompatibilidade citoplasmática bidirecional e reduzido sucesso sexual dos potenciais híbridos, assim assegurando sua continuada transmissão vertical. Alternativamente, os hospedeiros devem ter evoluído padrões de "evitamento" que reconheçam potenciais parceiros carregando uma variante diferente e incompatível de Wolbachia. Quanto a isso, alguns autores (Kokou et al, 2006) afirmam que Wolbachia deve ter evoluído a capacidade de modular os padrões de expressão e/ou percepção de ferormônios de Drosophila. Outros autores (Alberston et al, 2009), nesta mesma linha de pensamento, verificaram uma concentração acentuada de Wolbachia em regiões cerebrais das moscas, especulando assim que o endossimbionte pode estar afetando diretamente os padrões de comportamento dos hospedeiros.

Não sei vocês, mas cada dia meus butiás não acham mais fundo nos meus bolsos.


Albertson R, Casper-Lindley C, Cao J, Tram U, & Sullivan W (2009). Symmetric and asymmetric mitotic segregation patterns influence Wolbachia distribution in host somatic tissue. Journal of Cell Science, 122 (Pt 24), 4570-83 PMID: 19934219

Koukou K, Pavlikaki H, Kilias G, Werren JH, Bourtzis K, & Alahiotis SN (2006). Influence of antibiotic treatment and Wolbachia curing on sexual isolation among Drosophila melanogaster cage populations. Evolution; international journal of organic evolution, 60 (1), 87-96 PMID: 16568634

Miller WJ, Ehrman L, & Schneider D (2010). Infectious speciation revisited: impact of symbiont-depletion on female fitness and mating behavior of Drosophila paulistorum. PLoS pathogens, 6 (12) PMID: 21151959

sábado, 23 de julho de 2011

O dia que vi Burguess Shale

Domingo de chuva forte em Viena, e de um frio descomunal para o que temos como padrão de "verão". Como nos domingos praticamente toda a cidade dorme, uma das poucas opções de programação são os museus. Não que isso seja algo ruim, obviamente! Viena é encrustada de museus dos mais variados assuntos, tem até o chamado "Museums Quartier", que reúne diversos museus menores em um prédio enorme e circular.
Sem mais delongas, nem preciso dizer que o museu que eu estava mais animada para visitar era o Museu de História Natural, que ouvi falar ser um dos mais antigos e belos do mundo. Esse Museu fica em um dos prédios gêmeos de uma enorme praça no centro de Viena. O outro prédio (que é exatamente igual!!!) é o Museu de Artes, e que certamente receberá minha pessoa em um outro dia.


Como vocês podem imaginar, o museu em sí já é uma coisa absurdamente linda. O teto, e as paredes são decorados lindamente, a atmosfera é agradável e convidativa, e, pelo menos quando eu fui, não tinha aqueles grupos gigantescos de pessoas barulhentas atrapalhando.
Bom, o passeio padrão no Museu se dá acompanhando a História da Vida mesmo. Tem seções só com rochas (ai, não gosto de Geologia, mas pra quem gosta, seria lindo!!), outra com meteoritos, por exemplo...
Mas quando cheguei na Seção de Fósseis foi que meu fôlego saiu correndo pela janela e demorou deveras pra voltar. Passando pelas mesas expositórias, eis que vejo as palavras EDIACARA e BURGUESS SHALE. Pensei: "não acreditoooooo!!!". Lembram do meu primeiro post aqui, sobre a Explosão Cambriana? Bom, os fósseis de Ediacara (Austrália) são provenientes de antes do Cambriano, e apresentavam uma morfologia simples. Eu tirei essa foto abaixo que mostra fósseis de Ediacara (a foto ficou péssima, porque foi tirada com celular, mas usem a imaginação hehe).



Como se não bastasse isso, tinha representantes de Burguess Shale (Colúmbia Britânica, Canadá) também! Como eu expliquei naquele post mais antigo, essa fauna é de pleno Cambriano, e a diversidade de morfologias chega a ser assustadora. Tirei foto de um deles, esse simpático Anomalocaris. Esse nome significa "camarão estranho", e não é para menos!!! Dêem uma procurada no Google Imagens (por algum motivo não estou conseguindo copiar uma imagem de lá, péssimo) e curtam as representações do que seria esse queridão em 3D (tá, sem definições disso agora, por favor, estou só me referindo à forma dele com todas as ondulações e curvaturas possíveis).


E lá estava a Natália, parecendo uma criança em loja de doces, tentando abraçar o as vitrines, com o nariz enfiado no vidro pra ver melhor os fósseis. Enquanto isso, meus dois amigos que foram junto comigo (Anna e Kaya), que estudam Biologia Molecular na faculdade (eles não vêem nada de evolução, fósseis e essas coisas bonitas) ficavam olhando para mim com um semblante preocupado, e aproveitavam para tirar fotos das paredes esperando que eu fosse me recuperar do choque.
Bom, digo para vocês que o Museu poderia ter sido todo péssimo, mas ter a oportunidade de ver esses fósseis AO VIVO já teria valido à pena. Claro que não foi esse o caso, o Museu é um arraso, tem coleções lindíssimas (mais de 20 milhões de espécimes, sendo cerca de 10% disponível para visitação).
Fizemos um tour guiado pelo museu, e daí ficamos sabendo, por exemplo, que o prédio foi desenhado especialmente para ser um museu (o que é difícil de acreditar, parece impossível que ele não tenha sido um castelo once upon a time), e que as coleções estão distribuídas em diversos locais da Áustria, onde equipes enormes de pesquisadores estudam o vasto repertório de biodiversidade que eles tem à disposição.
Anyway, qualquer pessoa que um dia visitar Viena, eu digo com firmeza: visite esse museu, vale muito a pena!!!! Abaixo eu coloco mais algumas fotos do interior do museu, inclusive de uma das exposições especiais que estava em tela, sobre Parasitas, que eu curti deveras!!!